Thomas Skidmore, historiador que morreu mês de junho de 2016, explicou muito bem o Brasil para os brasileiros
Por Euler de França Belém
O brasilianista, em dois livros de excelente qualidade, interpretou a história do país de 1930 a 1985 a partir de uma pesquisa exaustiva e não ideologizada. Ele tinha Alzheimer e morreu aos 83 anos
Thomas Skidmore 10
Histórias gerais de qualidade são raras. No geral, por abarcar períodos longos e até muito longos, tendem à simplificação. Aspectos cruciais às vezes são contados rapidamente e, até, negligenciados. Escritas para não especialistas, se não úteis para estudantes fazerem provas e passarem de ano, raramente ajudam a compreender, de maneira ampla, certas passagens históricas, com suas clivagens, contradições. Poucos historiadores se aventuraram a escrever sobre a história do século 20 de modo amplo. O norte-americano Thomas Skidmore — falecido no sábado, 11, aos 83 anos (com Alzheimer e síndrome do pânico, vivia num asilo) — escreveu duas sínteses apreciáveis.
Em 1982, há 34 anos, o brasilianista Thomas Skidmore publicou “Brasil — De Getúlio a Castelo: 1930-1964” (na verdade, Castello), pela Editora Paz e Terra, com tradução de Ismênia Tunes Dantas e apresentação de Francisco de Assis Barbosa (que teria sido o criador da palavra brasilianista). Com uma pesquisa exaustiva, escreveu uma história decente do período, examinando com percuciência tanto a política quanto a economia. Os governos de Getúlio Vargas, Eurico Dutra, Juscelino Kubitschek e João Goulart e, seguida, a chegada da ditadura civil-militar, com Castello Branco, são analisados com rigor e sem politização e ideologização (frequentes em período de conturbação política).
Por seu caráter inovador, quase único, com a apresentação de uma espécie de nova história, Thomas Skidmore não agradou inteiramente a academia. No momento em que publicava seu livro, o país estava conflagrado, começando a sair da ditadura instaurada em 1964. Portanto, uma obra que escarafunchava a história de 1930 a 1964 (a ditadura não é examinada de maneira ampla, o que ficou para outro livro), mas sem as condenações adjetivadas de fatos e indivíduos, só poderia ser uma espécie de porta-voz de interesses nebulosos. Diziam, e não só nos bastidores, que o pesquisador era agente da CIA e, por isso, teria obtido acesso a documentos inacessíveis aos estudiosos brasileiros. De fato, era amigo de Lincoln Gordon, embaixador americano que apoiou o golpe de 1964, mas, até onde sabe, não era um agente do governo americano (teve acesso a militares, é fato, porque não era partícipe do processo político patropi). Quando oportuno, chegou a fazer críticas à ditadura, mas não era radical. Na verdade, era um scholar especializado por Harvard, um pesquisador criterioso que queria mais entender o país, explicando-o para os próprios brasileiros e para outros povos, do que criticá-lo de maneira politizada e ideologizada. Pessoalmente, do ponto de vista político, era um moderado.
Procede que “Brasil — De Getúlio a Castelo” está datado, parcialmente, pois a pesquisa histórica, com a descoberta de novos documentos e a apresentação de novas pesquisas e interpretações, avançou e continua avançando. No geral, permanece como uma pesquisa interessantíssima e vívida do período. A biografia em três volumes de Getúlio Vargas, do jornalista Lira Neto — que pesquisa como verdadeiro historiador, com meticulosidade rara —, revisa em parte o trabalho de Thomas Skidmore, embora não seja a sua intenção.
Thomas Skidmore
A biografia escrita por Lira Neto, também autor de uma ótima biografia de Castello Branco, não cuida tão-somente de Getúlio Vargas, embora o presidente seja o centro de sua atenção. É um exame preciso da história do país, do início do século ao suicídio de Getúlio Vargas em 1954. Suicídio que abortou o golpe que civis da UDN e militares já haviam “colocado” nas ruas e na imprensa.
(Na esteira de Thomas Skidmore, o brasilianista Stanley Hilton escreveu um livro notável: “Oswaldo Aranha — Uma Biografia”. Aquilo que parece consenso, como o apoio total de Getúlio Vargas à movimentação pró-Revolução de 1930, ganha novos contornos. O pesquisador americano mostra que inicialmente Getúlio Vargas tentou conciliar com o presidente Washington Luís e só aderiu aos revolucionários um pouco mais tarde. Oswaldo Aranha pressionou-o pelo rompimento com o político de São Paulo e para que se unisse aos mineiros. Histórias específicas, como a de Stanley Hilton, costumam acrescentar informações para a história geral.)
Thomas Skidmore
Em 1988, há 28 anos, Thomas Skidmore voltou às livrarias com outro portento — uma história geral de um período menos longo. “Brasil — De Castelo a Tancredo: 1964-1985”, publicado pela Editora Paz e Terra, com tradução de Mário Salviano Silva. Seu livro deve ser lido (mas não comparado, pois não tinha como obter as informações apresentadas pelos historiadores posteriores), com algumas perdas, com o acompanhamento das obras de Carlos Fico, Daniel Aarão Reis, Ronaldo Costa Couto (autor de excelente livro sobre a Abertura) e Elio Gaspari. E outros, é claro.
Thomas Skidmore vasculhou arquivos, conversou com historiadores e políticos, examinou livros e jornais e revistas. O resultado é uma excelente síntese sobre os governos civis-militares. Como os fatos do pós-1964, acontecidos “ontem”, ainda estão quentes e os arquivos ainda estão sendo vasculhados, a obra está ligeiramente datada. Mas a movimentação do jogo político, a análise das ações que levaram à distensão e à abertura e a apresentação do sucesso econômico e das crises econômicas, muitos bem examinados, permanecem vívidos. O brasilianista tinha um “olho bom” para o papel dos indivíduos na história, sem perder a dimensão do quadro geral. O operário-político Lula da Silva, por exemplo, é citado em onze páginas. Petrônio Portella é mencionado como articulador de primeira linha, ainda que falte um livro que registre com mais atenção seu papel no processo de distensão e Abertura. O historiador Luís Mir está preparando sua esperada e necessária biografia.
Fonte: https://www.jornalopcao.com.br/
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