a moda propriamente dita se restringe às camadas mais altas da sociedade. Pode-se ver então a dicotomia entre as roupas de Gabriela, de pouca variedade e confeccionadas em tecido barato, e as das senhoras da sociedade bahiana que, embora conservadoras, mostravam influência da cultura europeia, sobretudo a francesa, sendo Paris o centro de referência de moda.
Após um período de austeridade vivido durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a Europa se viu diante de uma nova forma de pensamento, na qual a noção de modernidade veio substituir valores tradicionais. Como acontece em todo período de turbulência, a guerra se refletiu também na mudança de vestuário feminino que, diante da escassez de materiais e de novas funções assumidas pelas mulheres, teve de se adaptar à nova ordem. Assim, os vestidos encurtaram, as cinturas foram liberadas dos espartilhos e as formas se tornaram mais retas, criando um modelo que seria chamado de tubular dress, e que permaneceria no período de pós-guerra. Além disso, contribuíram também para a efervescência cultural do pós-guerra o trabalho de estilistas como Coco Chanel, Madeleine Vionnet, Paul Poiret e Jeanne Lanvin, que, apesar de estilos diversos, demonstravam vontade de quebrar paradigmas em relação à forma feminina e influência art déco em suas criações. O art déco foi um movimento decorativo apresentado ao público na Exposição Internacional de Artes Decorativas de Paris, em 1925, e combinava o uso de formas geométricas e cores contrastantes, sobretudo nos acessórios femininos como bolsas, joias e cigarreiras.
No início do século, observa-se também a emergência de uma nova classe cuja preocupação com a aparência a torna uma referência estética: a classe artística feminina, personificada pelas figuras de Josephine Bakek e Gloria Swanson. Presentes em cabarés e teatros, tais mulheres suscitavam um sentimento ambíguo de admiração, inveja e repúdio, mas se tornaram igualmente uma fonte da moda que transpira modernidade. Em Gabriela, a classe artística é representada pelas mulheres do cabaré Bataclan, local onde prevalece o uso de vestidos de noite confeccionados em cetim, tule ou crepe georgette (o tecido favorito de Vionnet) com rendas, franjas, bordados e pedrarias. Como acessórios, meias de seda, cigarreiras e piteiras. No rosto, a maquiagem é feita com pó-de-arroz, ruge, batom, sombra escura e sobrancelhas depiladas. O cabelo é curto, arrumado com gomalina e enfeitado com plumas de avestruz.
No Brasil, a Semana de Arte Moderna de 1922, sob influência das vanguardas europeias, balançou a estrutura de pensamento, trazendo a modernidade para a esfera cultural. Os centros urbanos seguiam a moda parisiense, cuja influência se traduzia nas roupas e nos costumes: o encurtamento dos vestidos, a androginia, os cabelos à la garçonne, os chapéus cloche e, sobretudo, o sopro de um sentimento de emancipação feminina. As mulheres se abasteciam nas casas de fazendas e nos armarinhos, que anunciavam “a última moda de Paris”. Revistas de moda circulavam através de assinaturas, e viagens eram também uma ampla forma de intercâmbio de ideias e de referências. Em Gabriela, a dicotomia entre novo e velho, moderno e tradição, é representada pela jovem Malvina (Vanessa Giacomo) e sua mãe Marialva (Bel Kutner). Marialva, ainda que faça uso de vestidos soltos até o joelho, como manda a época, apresenta um visual austero, sinalizado através de cores neutras e apagadas, confeccionados com tecidos mais pesados, como o linho. Conservadora e submissa ao marido, Marialva é o oposto de sua filha Malvina, cujo pensamento crítico e liberal se traduz no uso de um penteado na altura do queixo, com franja, e de vestidos curtos e leves, com cintura baixa marcada e cores alegres.
A atmosfera dos anos 20, em Gabriela, é insinuada nos detalhes, o que fornece um charme extra à novela. Objetos art nouveau, estilo decorativo do final do século 19 ainda em voga, podem ser vistos, como pano de fundo, na decoração da casa de Marialva e Malvina. Da mesma forma, o vestido usado por uma menina recém-chegada ao Bataclan parece inspirado nas criações da estilista francesa Jeanne Lanvin, conhecida na época por seus vestidos de noite em tecido fino de várias camadas, com aplicações de flores e pérolas coloridas.
James Laver. A roupa e a moda, uma história concisa. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
Maria Rita Moutinho. A moda no século XX. Rio de Janeiro: Senac, 2000.
Silvana Gontijo. 80 anos de moda no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987.
Stella Moutinho. Dicionário de artes decorativas & decoração de interiores. Rio de Janeiro: Lexicon, 2011.
Obrigado professor , isso foi de muita ajuda para a nossa pesquisa
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