Sociedade Disciplinar/ Michel Foucault
Mudanças sociais ocorridas no séc. XVIII e XIX levaram a alterações do jogo do poder, que foi sendo gradativamente substituído pelo que Foucault denomina de sociedades disciplinares, as quais atingiram o seu apogeu no séc. XX. A passagem de uma forma de dominação a outra ocorreu quando a economia do poder percebeu ser mais eficaz e rentável “vigiar” do que “punir”.
Duas imagens, portanto da disciplina. Num extremo, a disciplina - bloco, a instituição fechado, estabelecido à margem, e toda voltada para funções negativas: fazer parar o mal, romper as comunicações, suspender o tempo. No outro extremo, com o panoptismo, temos a disciplina - mecanismos: um dispositivo funcional que deve melhorar o exercício do poder tornando-o mais rápido, mais leve, mais eficaz, um desenho das coersões subtis para uma sociedade que está por vir. O movimento que vai de um projecto ao outro, de um esquema da disciplina de excepção ao de uma vigilância generalizado, repousa sobre uma transformações histórica: a extensão progressiva dos dispositivos de disciplina ao longo dos séculos XVII e XVIII, sua multiplicação através de todo o corpo social, a formação do que se poderia chamar grosso modo a sociedade disciplinar.
Foucault, (1997), pag:173
Coube às sociedades disciplinares organizar os grandes meios de confinamento, os quais tinham como objectivo concentrar e compor, no tempo e no espaço, uma forma de produção cujo efeito deveria ser superior à soma das partes. O indivíduo não cessava de passar de um espaço fechado ao outro: família, escola, fabrica, universidade e eventualmente prisão ou hospital.
A existência de mecanismos disciplinares é anterior ao período que Foucault denominou como sociedade disciplinar, mas antes existiam de forma isolada, fragmentada. O padrão de visibilidade das sociedades disciplinares projectou-se no interior dos prédios das instituições, que passaram a ser construídos para permitir o controle interno.
Foucault afirma que as instituições não têm essência ou inferioridade, nem são fontes de poder. São mecanismos operatórios práticos que fixam relações. Têm necessariamente dois pólos: aparelhos e regras. O pólo negativo compreende a táctica do poder em sujeitar e reprimir. O pólo positivo consiste em produzir, mobilizar tipos de forças que constituem o poder, provocando um corpo - a - corpo. Quanto mais poder conseguir produzir, mais deverá sujeitar e administrar. Nesse confronto retira-se um efeito útil, uma notável solução, diria Foucault: o aparecimento da disciplina. A disciplina dissocia o poder desse corpo - a - corpo e reduz o perigo da inversão de um equívoco dessa polarização.
Ao estudar o nascimento da prisão, Foucault observa que passou por três fases: primeiramente, nas sociedades soberanas, no séc.XVII, existe paralelamente a outras administrações de punição, como o manicómio e o asilo. Com a queda da soberania, a lei e o poder adquirem uma forma regular de administração, isto é, a sua transmissão e continuidade ganham nova forma, quando acontece a estatização da justiça penal.
Como Foucault observa a prisão não é então uma pena e direito, não fez parte do sistema penal dos séculos XVII e XVIII. Os legistas são perfeitamente claros a este respeito. Estes afirmam que, quando a lei pune alguém, a punição será a condenação à morte, a ser queimado, a ser esquartejado, a ser marcado, a ser banido, a pagar uma multa, etc. a prisão não é uma punição.
Quando o indivíduo perde o processo e é declarado culpado, deve uma reparação à sua vítima, isto é, exige-se do culpado a reparação da ofensa que cometeu contra o soberano, a lei e o poder monárquico. Assim é que aparecem os mecanismos da multa, da condenação à morte, do esquartejamento, do banimento etc.
O segundo momento de consolidação da prisão ocorre no final do séc. XVIII e inicio do séc.XIX. É caracterizada pela reforma e reorganização do sistema judiciário e penal nos diferentes países da Europa e do mundo. Nesse momento, ao contrario do período anterior, a prisão passa a difundir-se em todas as direcções, por se efectuarem em alto grau as exigências do diagrama da disciplina, vencida, obviamente a má reprodução que vinha do seu papel precedente.
Foucault denomina esse período de sociedade disciplinar, pois traz como características essenciais a distribuição dos indivíduos em espaços individualizados, classificatórios, combinatórios, isolados, hierarquizados, capazes de desempenhar funções diferentes segundo o objectivo especifico que deles exige. Estabelece uma sujeição do individuo ao tempo, com o objectivo de produzir com o máximo de rapidez e eficácia.
A vigilância também se expressa como um dos seus instrumentos de controle, de maneira contínua, perpetua e permanente.
No âmbito do direito penal, passa-se a enunciar os crimes e os castigos que preconizam o controle e a reforma psicológica e moral das atitudes e do comportamento dos indivíduos, diferente daquela prevista no séc. XVIII, que visava tão somente a defesa da sociedade.
Ressalta Foucault que a prisão, nesse momento remete a palavras e conceitos completamente diferentes, como a delinquência e o delinquente, que exprimem uma nova maneira de enunciar as infracções, as penas e os sujeitos.
A terceira fase consiste na reforma penitenciária, pois destitui a prisão da sua exemplaridade, fazendo-a voltar ao estado de agenciamento localizado, restrito e separado.
As técnicas disciplinares serão substituídas pelo modelo técnico de cura e normalização. Funcionará como terapêutica da rectificação do individuo, e a sentença judicial será inscrita entre os discursos do saber, implicando num baixo grau de exigências do diagrama da disciplina.
Nesse estudo topológico de interrogar as formações históricas, Foucault descobriu uma engenharia que atravessa quase meio século, praticamente despercebida, enquanto estratégias ou táctica de poder. Aparece contudo, como uma mecânica de observação individual, classificatória e modificadora do comportamento, uma arquitectura formulada para o espaço da prisão, ou para outras administrações, tais como: a fabrica, a escola, o manicómio. Essa maquinaria era o Panóptico.
O Panóptico é a utopia de uma sociedade e de um tipo de poder que é, no fundo, a sociedade que actualmente conhecemos – utopia que efectivamente se realizou. Este tipo de poder pode perfeitamente receber o nome de panoptismo. Vivemos numa sociedade onde reina o panoptismo.
Com o Panóptico vai-se produzir algo totalmente diferente. Não há mais inquérito, e sim vigilância e exame. O Panóptico teve uma tríplice função a vigilância, o controle e a correcção.
Segundo Foucault (1990), o poder é uma prática social e, por isso mesmo, é constituído historicamente e articula-se com a estrutura económica. O que Foucault chamou microfísica do poder significa tanto um deslocamento do espaço de análise quanto ao nível que este se efectua. De acordo com a sua categorização, as sociedades e os seus respectivos regimes de visibilidade podem ser divididos em: sociedades de soberania, onde o rei ou senhor exercia o poder, por meio de uma vigilância externa e geral; sociedade disciplinar, na qual as instituições são um dos maiores dispositivos de visibilidade, principalmente com relação ao funcionamento dos operários institucionais; e sociedade de controle, veio substituir a sociedade disciplinar, na qual ocorre a implementação progressiva e dispersa de um novo regime de dominação, ou seja, o exercício do poder à distancia.
Actualmente, encontramo-nos numa crise generalizada de todos os meios de confinamento da sociedade disciplinar e assistimos à instalação de uma sociedade que controla à distância. Desse modo, a crise das instituições modernas representa a implantação progressiva e dispersa de um novo regime de dominação. A lógica da sociedade disciplinar é analógico, ou seja, descontinua e diferenciada em cada confinamento, enquanto a da sociedade de controle é numérica e constante.
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