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sábado, 18 de março de 2023

Feminicídio: oito anos após aprovação da lei, casos aumentam


 Feminicídio: oito anos após aprovação da lei, casos aumentam

DIREITOS HUMANOS

https://www.diariodepernambuco.com.br/

Por: Akemi Nitahara - Agência Brasil

Publicado em: 15/01/2023 11:51 | Atualizado em: 15/01/2023 11:52

 (Crédito: Fernando Frazão/Agência Brasil)


Passados oito anos da promulgação da Lei 13.104, de 9 de março de 2015, conhecida como Lei do Feminicídio, o assassinato de mulheres em situação de violência doméstica e familiar ou em razão do menosprezo ou discriminação à sua condição aumentaram no país. A lei alterou o Código Penal para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, além de incluí-lo no rol dos crimes hediondos.


O Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro (ISP) começou a compilar e divulgar os dados sobre o crime de feminicídio no estado em 2016 e mostra o crescimento dos casos nos últimos anos. Foram 78 em 2020, 85 em 2021 e saltou para 97 no ano passado, ainda sem computar os dados de dezembro. Há notícias de pelo menos mais três casos no último mês de 2022. Quanto às tentativas de feminicídio, foram 270, 264 e 265 em cada ano, respectivamente.


Apenas na favela da Rocinha, foram dois casos no dia 29 de dezembro e mais dois nos primeiros dias deste ano. Em todo o estado do Rio, houve pelo menos quatro casos nos primeiros dias de 2023, além de uma tentativa de feminicídio. A vítima está internada.


A coordenadora executiva da organização Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação (Cepia), a advogada Leila Linhares Barsted, que também integra o Comitê de Peritas do mecanismo de segmento da convenção de Belém do Pará, da Organização dos Estados Americanos, para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, explica que o feminicídio é um fenômeno social grave.


De acordo com ela, o crime foi intensificado pela pandemia de covid-19, quando vítimas e agressores passaram a conviver por mais tempo, bem como reflete o machismo estrutural e os altos índices de violência do país.


“O índice de violência, o incentivo às armas de fogo, esses discursos de ódio, né? Há uma misoginia e um machismo que estão cada vez mais fortes na sociedade brasileira. Ou seja, aquele machismo que se fazia um pouco mais discreto está nas páginas dos jornais, proferido por lideranças das instituições do Estado. Então é como se houvesse uma licença para que homens exercessem o machismo de uma forma mais grave contra as mulheres”.


Casos de 2023

No Dossiê Mulher do ISP, que traz dados de 2016 a 2020, os números mostram que a maioria das vítimas de feminicídio é morta pelo companheiro ou ex-companheiro (59%) e dentro de casa (59%). Barsted explica que o feminicídio normalmente envolve uma relação íntima, na qual o homem considera ter a posse da mulher.


“Ou seja, é o machismo que não admite que a mulher fuja do controle desse homem. Então, muitas vezes esses eventos ocorrem exatamente quando as mulheres não querem mais viver em situações de violência e resolvem se separar. Esse machismo se dá exatamente nesse sentido, da ideia de que o homem tem a posse da mulher e quando ele perde a posse, decide então castigá-la”.


Os feminicídios ocorridos no estado este ano confirmam os dados.


No dia 1º, Stephany Ferreira do Carmo, 25 anos, foi esfaqueada dentro de casa, na Cidade Alta, zona norte da capital, na frente do filho de 7 anos. Ela está internada com quadro estável, após ficar em coma induzido e passar por uma cirurgia. O suspeito, que foi preso, é Adriano Quirino, com quem a vítima mantinha relacionamento há um ano. A briga teria sido por ciúmes.


No dia 2, Gabriela Silva de Souza, 27 anos, foi esganada até a morte pelo marido, Fábio Araújo da Silva, em Belford Roxo, na baixada fluminense. Ele se entregou à polícia. Gabriela havia decidido se separar, depois de descobrir uma traição do companheiro.


Também no dia 2, Rosilene Silva, 39 anos, foi atingida por quatro tiros no Mercado de Peixe de Cabo Frio, onde trabalhava. Ela já havia denunciado o ex-marido, Thiago Oliveira de Souza, por violência doméstica. Ele foi preso no dia seguinte, na BR-101, em Casimiro de Abreu.


No domingo passado (8), Carmem Dias da Silva, 29 anos, foi morta a facadas e com cortes de vidro, na Rocinha, após uma briga com Wendel Luka da Silva Virgílio, preso em flagrante. Era a primeira vez que Carmem se encontrava com Wendel, que conheceu pela internet. Ela era sobrinha do pedreiro Amarildo Souza, morto em 2013 após ser levado para averiguações na Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Rocinha.


Também na Rocinha, Daniela Barros Soares, de 29 anos, levou um tiro na cabeça enquanto dormia, no dia 9, do ex-marido Rios Loureiro de Souza Sablich, que se entregou na Cidade da Polícia. Rios e Wendel tiveram a prisão em flagrante convertida em preventiva na audiência de custódia, ocorridas terça-feira (10).


Enfrentamento à violência

Em sua posse, no dia 1º, o governador Cláudio Castro afirmou que dará prioridade ao combate à violência contra a mulher e ao feminicídio. Ele citou programas já implementados por sua gestão, como o aplicativo Rede Mulher, o atendimento aos familiares das vítimas do feminicídio, a Patrulha Maria da Penha, a Casa Abrigo e o Ônibus Lilás.


Castro também criou a Secretaria da Mulher, que será comandada por Heloísa Aguiar. A reportagem solicitou entrevista com a secretária, mas ainda não obteve retorno.


Outra área que será fortalecida este ano é a Defensoria Pública do Rio de Janeiro, que elegeu a primeira mulher no cargo de defensora-geral em 68 anos de história da instituição. Na cerimônia de posse, na terça-feira (10), Patrícia Cardoso afirmou que traz a perspectiva de gênero, o combate à violência contra a mulher e que pretende implantar essa visão na defensoria.


“São estatísticas absurdas, as mulheres estão sendo mortas cada vez mais. Esse desafio do enfrentamento da violência contra a mulher, da capacitação dessa mulher para que possa arrumar as malas, como a minha avó fez [a mala] do meu avô, essa capacidade, esse empoderamento, são muito importantes. A Defensoria, junto com o governo do estado, tem papel de destaque e eu queria deixar isso registrado”.


Para Basterd, o fato de ter duas mulheres em posições de poder e decisão deve contribuir para o enfrentamento à violência. De acordo com a advogada, é preciso institucionalizar o diálogo entre as diversas instituições que trabalham nessa área, para promover de fato uma rede integrada de proteção à mulher vítima de violência e, assim, prevenir o feminicídio.


“Eu espero sim que a nova secretária possa ter força suficiente e interlocução contínua com os demais poderes e com os movimentos de mulheres. O Conselho Estadual dos Direitos das Mulheres tem uma comissão de segurança da mulher, a Escola de Magistratura do Rio de Janeiro tem um fórum permanente sobre violência contra as mulheres. Então é importante que a nova gestora de política das mulheres possa abrir um canal de interlocução com os movimentos sociais, com as outras organizações do estado, para que a gente possa realmente fortalecer essa política e colocá-la em prática”.


Ela destaca também a necessidade de garantir orçamento para a implementação das medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha e a devida fiscalização para verificar se elas estão funcionando, bem como a produção de dados estatísticos sobre o tema.


“Muitas vezes isso fica escrito em grandes documentos, em grandes propostas, mas os recursos orçamentários, a capacitação, o aumento e o fortalecimento das equipes acabam não se concretizando. Sugerimos que os dados sobre medidas protetivas possam ser mais completos. Que tipo de medida, qual o perfil da mulher que recebeu a medida, qual o perfil do agressor, qual a resposta que essa mulher recebeu do Poder Judiciário? Ou seja, são muitas questões que ainda precisam ser preenchidas.”


Transição federal

No Relatório do Gabinete de Transição Governamental, o grupo que tratou das políticas para as mulheres apontou a gravidade do problema.


“No primeiro semestre de 2022, o Brasil bateu recorde de feminicídios, registrando cerca de 700 casos no período. Em 2021, mais de 66 mil mulheres foram vítimas de estupro; mais de 230 mil brasileiras sofreram agressões físicas por violência domés­tica. Os dados são do mais recente Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Embora todas as mulheres estejam expostas a essas violências, fica evidente o racismo: as mulheres negras são 67% das vítimas de feminicídios e 89% das vítimas de violên­cia sexual.”


Os dados do feminicídio são do relatório Violência contra Meninas e Mulheres do 1º semestre de 2022, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que notificou 699 casos no período analisado. O documento foi lançado em dezembro. Nos anos anteriores, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, da mesma instituição, relata 1.229 feminicídios em 2018, 1.330 em 2019, 1.354 em 2020 e 1.341 em 2021. Os dados completos de 2022 ainda não foram divulgados.


O relatório da transição aponta o desmonte das políticas de enfrentamento à violência contra a mulher como causa do agravamento da situação, como a paralisação do Disque 180, que teve apenas R$ 6 milhões no ano de 2023 destinados aos serviços de denúncia, acolhimento e orientação das mulheres vítimas de violência doméstica.


“No caso do programa Mulher Viver Sem Violência, os principais eixos que garantiam a capacidade de execução foram retirados da legislação, desobrigando o Estado de cumpri-los. O orçamento do programa foi desidratado em 90%, e a construção de Casas da Mulher Brasileira foi paralisada”.


A coordenadora da Cepia afirma que toda a rede de proteção foi desmontada nos últimos anos, apesar de o país contar com o Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres, envolvendo as três esferas de governo, lançado em 2007 e atualizado em 2011.


“O que a gente está vendo é que a rede de atendimento às mulheres, nos últimos anos, tem se enfraquecido cada vez mais. São centros de referência com instalações precárias, são equipes desfeitas, as delegacias, o atendimento na área da saúde, esses serviços públicos têm sido enfraquecidos e muitos desmobilizados no Brasil todo”.


De acordo com Basterd, é urgente uma mudança de mentalidade para tirar o país da barbárie imposta por pensamentos como o machismo, o racismo e a homofobia, bem como o aumento da cultura armamentista.


“Então, são políticas públicas de âmbito nacional, o desarmamento da população, a educação da população para padrões civilizatórios. Nós estamos vivendo padrões de barbárie, com discursos de ódio, uma intolerância imensa, e claro que tudo isso incentiva esses criminosos, esses feminicidas, a praticarem esses atos contra as mulheres. Não se trata apenas de punir agressores, de punir criminosos, se trata sim de reeducar a sociedade para padrões civilizatórios das relações entre os indivíduos”.

A Filosofia de Roger Bacon (1214 - 1292)

A Filosofia de Roger Bacon (1214 - 1292)

            A filosofia de Bacon é conhecida principalmente pelo destaque dado ao empirismo, teoria que defende que a experiência sensorial é o que produz em nós o conhecimento. Bacon usou também a matemática, que para ele era a suprema ciência, para entender a natureza.


            O método de conhecimento científico deve seguir a ordem de pesquisa iniciada pela observação da natureza, depois o observador deve levantar hipóteses para entender o fenômeno da natureza e por último deve buscar comprovar suas hipóteses através da experimentação. O processo observação, hipótese e experimentação não têm fim e é aplicado em cadeia de acontecimentos que se relacionam e criam o conhecimento científico. A verdade da ciência se baseia na repetição dos fenômenos observados e para que isso possa ser feito todo o processo tem que ser detalhadamente descrito. A verdade científica vai surgir através do trabalho de muitas pessoas e vai levar o tempo que esse trabalho demorar. Os erros anteriores serão eliminados pelas pesquisas posteriores e assim a ciência alcança seu progresso.


            Existem dois modos de alcançarmos o conhecimento: pela experiência e pelo argumento. O argumento nos dá conclusões e demonstrações racionais, mas são conclusões que não afastam a dúvida, pois não podem ser diretamente comprovadas. A comprovação das verdades somente pode ser feitas através da experiência, que tanto pode ser interna como externa. A experiência externa é a que conseguimos através do sensorial dos nossos sentidos, através dela alcançamos as verdades da natureza. A experiência interna depende diretamente da iluminação divina e através dela conseguimos alcançar as certezas sobrenaturais. As duas verdades levam o homem ao seu objetivo que é atingir a felicidade e a salvação.


            Existem sete níveis de experiência interna: 1  - Iluminação científica; 2 - Virtude; 3 - Dons do Espírito santo; 4 - Bem-aventuranças; 5 - Sentidos espirituais; 6 - Resultados espirituais como a paz de Deus; 7 - Êxtase divino.


            Em seus escritos Bacon reivindica uma reforma na teologia. Para ele a bíblia deve ser o centro das atenções dos estudos da teologia e as análises dos textos sagrados devem ser feitos preferencialmente na língua original em que foram escritos. Bacon condenou diversas interpretações dadas aos textos sagrados que para ele eram adulterações dos textos originais. O mesmo que acontecia com a bíblia acontecia com os textos dos filósofos gregos: continham diversos erros de tradução e de interpretação.


            Nos escritos de Bacon aparecem estudos de matemática, ótica e alquimia. Descreve o processo para fazer a pólvora, enumera o posicionamento dos astros celestes, afirma que a terra é redonda, antecipa invenções que ainda seriam feitas como o microscópio, o telescópio, os óculos, máquina a vapor e máquinas voadoras.


Sentenças:

- A matemática é que nos dá acesso às ciências.

- A experiência é a peça principal da ciência.

- Muitos mistérios da natureza e da arte são conhecidos somente pela magia.

- A verdade é filha do tempo.

- Saber é poder.

- A verdade só se mostra a quem a procura.


Roger Bacon

Responsável: Arildo Luiz Marconatto

Direitos resevados: https://www.filosofia.com.br/historia_show.php?id=53


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quinta-feira, 16 de março de 2023

A nova geopolítica global e o Brasil


 RUBENS BARBOSA

Rubens Barbosa é presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e editor responsável desta revista. Foi embaixador do Brasil em Londres e em Washington.


Direitos Autorais:https://interessenacional.com.br/author/rubens-barbosa/


A nova geopolítica global e o Brasil

O mundo atravessa um momento de grandes transformações na área política, econômica e social. A geopolítica e a geoeconomia foram se modificando na última década e vão passar, ainda, por uma série de ajustes, depois da saída dos EUA do Afeganistão.


Sem esgotar o assunto e de maneira sumária, cabe mencionar alguns dos aspectos do novo cenário internacional:


Lugar dos EUA no mundo

• Continuará como superpotência – saída do Afeganistão, fim de uma Era: envolvimento militar para mudança de regime e reconstrução nacional

• Crescente isolamento (razões de política doméstica: divisão)

• Foco político e militar passa do Oriente Médio para a Ásia

• Credibilidade afetada: aliados da Otan – Taiwan

• Coalisão contra a China (dificuldade para dividir o mundo – Alemanha, Cingapura)

• Principal foco estratégico: China – terrorismo doméstico

•América do Sul no médio prazo pode vir a ser a nova prioridade (recursos minerais e presença da China)


Lugar da China no mundo

• Superpotência tecnológica, comercial, militar – quer reconhecimento de seu status

• Ásia como polo dinâmico de crescimento econômico e comércio exterior (China é a principal parceira comercial da maioria dos países)

• Adversária dos EUA (na visão do establishment norte-americano – como evitar a confrontação militar?)

• Belt and Road Initiative – projeto para respaldar expansão global


Acirramento na competição global entre China e EUA pela hegemonia política no século XXI (novas bases, diferentes da Guerra Fria EUA-URSS)


Redesenho do mapa geopolítico da Ásia

• Efeito sobre o equilíbrio da região: passa dos EUA–Índia para China–Paquistão

• Possibilidade de hospedar organizações terroristas islâmicas – consumo e tráfico de drogas

• Sudeste da Ásia: foco estratégico dos EUA para conter a China: aliança estratégica Quod (EUA, Índia, Japão e Austrália) – Taiwan – Coreia do Sul e Japão


Avanços tecnológicos (espaço digitalizado mundial, velocidade de

absorção tecnológica)


• Internet – TV

• 5G e inteligência artificial


Meio ambiente e mudança climática como preocupação global

• Amazônia

• Consequências econômicas e comerciais

• New green deal (Europa) – taxa de carbono


Globalização (reordenamento produtivo, cadeias de produção, protecionismo, autonomia soberana, revolução energética, crise no multilateralismo)


Regionalização: espaço expandido econômico sem fronteira (fortalecimento das potências regionais e dos acordos regionais (Nafta, European Union, Ásia: China (RCIP), TPP (Japão), Mercosul, Ásia Central (Rússia), África-acordo comercial) – futuro papel da América do Sul (hoje na periferia)


Multipolaridade (países emergentes – G7 (países mais desenvolvidos) – PIB de US$ 42 trilhões; E7 (países emergentes), PIB de US$ 53 trilhões. Excluída a China, o PIB do E6 fica maior que o do G6 (países desenvolvidos)


Novas ameaças (terrorismo, drogas, ataques cibernéticos, guerra no espaço)


Desigualdade (acelerada pela pandemia, geopolítica da vacina, marginalização dos países mais pobres)


A eleição de Donald Trump e sua atitude de colocar os EUA em primeiro lugar e acelerar o grau de isolamento de Washington, a vitória de Biden, a pandemia e, mais recentemente, a desastrosa saída dos EUA do Afeganistão estão produzindo tensões e consequências em todas as áreas e afetando todos os países.

Na geopolítica e na geoeconomia que estão emergindo, algumas mudanças estão passando despercebidas, mas são forças significativas com relevante impacto sobre todos os países, o que gera incerteza e instabilidade.


Levando em conta esse cenário global, em particular no tocante às questões de meio ambiente e de mudança de clima, do deslocamento do eixo econômico-comercial para a Ásia, em especial para a China, do 5G e da inteligência artificial e da confrontação entre as duas superpotências – o que fazer, segundo a perspectiva do Brasil?


O Brasil, nos últimos dois anos, foi apanhado no contrapé por não se ter acompanhado essas mudanças, o que deveria ser corrigido com uma visão atualizada e dinâmica das transformações globais.


Lugar do Brasil no mundo

• Qual será o lugar do Brasil no mundo que está emergindo?

• Como as grandes transformações econômicas, comerciais, tecnológicas e geopolíticas e geoeconômicas poderão afetar o interesse nacional?

• Como o Brasil se posicionará no contexto hemisférico e regional?

• Como o Brasil deveria reagir com a ampliação da confrontação entre a China

e os EUA?

• Como o Brasil poderá contribuir para o fortalecimento da governança global?

• Como ficarão as políticas em relação às negociações em fóruns multilaterais, ONU (Brasil assume um lugar no CSNU), OMC, OMS?

• Como implementar os objetivos estratégicos e os interesses do Brasil, levando em conta o resguardo da soberania e o fortalecimento da democracia?


A área de influência do Brasil, como definido na Política Nacional de Defesa, abrange América do Sul, Antártica e o Oceano Atlântico até a costa ocidental da África. A referência à integração regional amplia o entorno geográfico por incluir a América Central e a América do Norte. Além disso, o novo status de aliado estratégico dos EUA, extra Otan, e o oferecimento de parceria global da Otan colocam novos desafios para a política externa e de defesa. As rápidas transformações tecnológicas exigem um esforço para estimular a Base Industrial de Defesa a pesquisar para complementar as aquisições externas. As três áreas ressaltadas na Estratégia Nacional de Defesa (cibernética, energia nuclear e espaço) deveriam merecer estímulos, como ocorre nos EUA e na Otan, para que a produção nacional supere as vulnerabilidades cada vez maiores de nossos materiais bélicos e responda aos novos desafios de inteligência artificial.


Nossos interesses diretos do ponto de vista da preservação da soberania incluem, entre outros, a mudança da percepção externa negativa sobre o País, a volta do protagonismo nas negociações sobre meio ambiente e mudança de clima, com uma nova política em relação à proteção da Amazônia, a definição de uma política proativa para a América do Sul, pelo aperfeiçoamento da inteligência e da promoção no comércio exterior, pela parceria comercial ampliada com a Ásia (Asean e RCIP), reativação da participação do Brasil nos organismos multilaterais (políticos e econômico-comerciais) e posição equidistante no confronto EUA–China, definindo em cada caso o interesse nacional acima de considerações ideológicas ou geopolíticas. Dentro desse quadro, quais os desafios para o Brasil?


Desafios internos e externos para o Brasil

Os desafios internos são representados pela perda da competitividade da economia pela produtividade das empresas, pela aprovação das reformas estruturais (tributárias e administrativa) e pela abertura da economia (melhora do ambiente de negócios e privatizações), por um governo enfraquecido e por uma economia que começou a se recuperar, mas que deverá desacelerar em 2022, com mais de 14 milhões de desempregados. O déficit fiscal em crescimento imporá medidas de contenção e de redução dos gastos públicos. O custo do Estado – alta carga tributária, custo do financiamento, logística deficiente e burocracia – acarretou forte perda de competitividade da economia e produtividade da empresa nacional, tornando inadiável uma agenda ampla, mas gradual, de abertura da economia. Com o setor do agronegócio em expansão, a reindustrialização passa a ser uma das prioridades para o crescimento e o emprego. Em ambiente global de baixo crescimento, são urgentes as medidas para restabelecer a confiança dos empresários nacionais e estrangeiros no Brasil, dar segurança jurídica aos investimentos e criar as condições para que o Brasil volte a crescer de 4% a 5% ao ano de forma sustentável. A estabilidade econômica passa também pela consolidação das instituições e a manutenção da ordem democrática com ações moderadas do governo e da oposição.


Os desafios externos não são menos impactantes do que os internos. Profundas e rápidas transformações políticas, econômicas, estratégicas e tecnológicas geram instabilidade e incertezas. O cenário é de insegurança, agravado pela ameaça de confrontação comercial e tecnológica entre os EUA e a China e pela desaceleração da economia global em 2022.


O Brasil está fora dos fluxos dinâmicos da economia e do comércio exterior e isolado nas negociações de acordos de comércio. Está atrasado em inovação tecnológica, perdeu poder e influência e registrou um crescimento inferior ao da maioria dos países. Deixando de ser uma das dez maiores economias do mundo, o Brasil terá de recuperar seu lugar no cenário internacional. O desafio é o de promover uma crescente integração do Brasil no comércio internacional, tanto no âmbito comercial, quanto no de serviços e atrair investimentos estrangeiros diretos. O Brasil precisa abrir-se mais para o mundo como parte da estratégia de maior protagonismo do País no cenário global, inclusive para estimular sua autonomia soberana no tocante às cadeias de produção globais.


Os princípios básicos da política externa estão consagrados no artigo 4 da Constituição. Sendo o Itamaraty uma Instituição de Estado, suas ações devem estar acima de interesses partidários e ideológicos.


Para enfrentar o desafio das rápidas mudanças no cenário global, os formuladores de políticas governamentais terão de definir o que o Brasil quer da relação com os EUA (sem alinhamentos automáticos), com a China, com a Ásia, com a Europa e com seu entorno geográfico com objetivos estratégicos claros.


Governo e setor privado terão de enfrentar o desafio de assumir uma atitude proativa no tocante à integração regional. Não poderá ser ignorada a nova geopolítica nas Américas: os governos de esquerda no México e de direita no Brasil, o novo governo em Cuba, a situação deteriorada na Venezuela e na Nicarágua – a trinca da tirania trumpista –, a crise econômica na Argentina, o novo governo no Peru, a continuada baixa prioridade do governo dos EUA na região, enquanto aumenta a presença da China e da Rússia, criando condições para um realinhamento das forças política e econômicas. O relacionamento com a Venezuela deveria merecer atenção especial, já que interessa ao Brasil contribuir para uma solução política para a crise interna e para o acolhimento, a proteção e a assistência aos refugiados e migrantes venezuelanos. 


Uma nova estratégia de negociações comerciais bilaterais (acordos na região e fora dela), regionais (Mercosul e Área de Livre Comércio) e multi e plurilaterais (Organização Mundial de Comércio) deverá ser definida para pôr fim ao isolamento do Brasil, com ênfase na abertura de novos mercados e na integração do Brasil às cadeias produtivas globais, ao aumento dos fluxos do comércio exterior e do investimento externo.


Em relação ao Mercosul, depois de 30 anos não se poderá adiar uma avaliação de seu funcionamento e decidir se as negociações com terceiros países continuarão a ser com uma única voz ou se os entendimentos serão bilaterais, além de decidir o que fazer com a Tarifa Externa Comum. A ratificação dos acordos do Mercosul com a União Europeia e com a EFTA dificilmente será concluída antes de 2023 pelas dificuldades geradas pelas políticas de meio ambiente na Amazônia. Os entendimentos com a Asean (em especial com Cingapura, Indonésia e Vietnã), Japão, Canadá e Coreia do Sul, além do Líbano, deveriam ser acelerados e contatos com os países africanos para entendimentos, visando à negociação de acordo comercial com o Mercosul, deveriam ser iniciados. O Itamaraty não pode ter suas atribuições reduzidas na promoção comercial (Apex) e na negociação externa para outras áreas.


A realidade recomenda que o Brasil continue a participar plenamente nas organizações multilaterais, em particular ONU, OMC e OMS. O papel da chancelaria será relevante para o ingresso do Brasil na OCDE, além de buscar ampliar nossa participação nos Brics, no G-20, na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e no acordo Índia, Brasil e África do Sul. Não sendo uma potência militar, o Brasil tem de se afirmar pelo soft power.


O tema ambiental e do desenvolvimento sustentável, como ativos externos do Brasil, mas também com preocupação pelo foco na Amazônia e nos seus ilícitos (desmatamento, garimpagem e incêndios), deveriam passar a se constituir no foco e na prioridade central da política externa com atuação protagonista, visando ao cumprimento das metas assumidas por nós mesmos no Acordo de Paris e em compromissos similares, com os ajustes necessários nas políticas internas para resguardo da soberania.


Não se pode esperar mais do que está sendo feito no atual governo, mas o debate sobre o papel do Brasil no mundo a partir de janeiro de 2023 não poderá ser adiado. O impacto das decisões externas sobre o Brasil não pode ser ignorado. O Brasil não é uma ilha. As decisões de política econômica e de política externa de outros países têm efeitos imediatos sobre o País, como se verifica nas medidas tomadas pelo governo Biden, nas decisões sobre política ambiental na Europa e nos EUA (inclusive a taxa de carbono) e a geopolítica das vacinas.


A nova gestão à frente do MRE começa a fazer planejamento de médio e longo prazos no tocante à presença do Brasil no exterior. Uma das primeiras medidas foi pedir formalmente a adesão do Brasil à Associação das Nações do Sudeste da Ásia (Parceria de Diálogo Setorial), dentro de uma nova e importante parceria com uma área de grande interesse para o agronegócio. A nova atitude e atuação do Itamaraty é bem-vinda porque ajuda a discussão sobre a reconstrução da atuação externa do Brasil e sobre como enfrentar os desafios do novo cenário internacional.


Para voltar a desempenhar o papel de relevo que sempre teve, o Itamaraty terá de adequar a política externa aos novos desafios internos e externos com dinamismo e inovação. Ao renovar-se e atualizar-se, atendendo às demandas dos novos tempos, terá de evitar formalismos, posturas defensivas e tendências burocráticas e ideológicas, que estão acarretando a perda de influência do Brasil na região e seu isolamento em um mundo em crescente transformação.


Será muito importante a discussão, na campanha para a eleição presidencial, sobre o lugar do Brasil no mundo a partir de 1º de janeiro de 2023, com visão de médio e longo prazos.


Conclusão

Definição de objetivos mínimos:

Brasil voltar a ser uma das dez maiores economias do mundo (hoje é a 13ª);

Fazer política da sua geografia e definir uma ação proativa na América do Sul;

Prioridade para inovação e tecnologia (5G e inteligência artificial);

Meta de crescimento sustentável (4% a 5%);

Reindustrialização com modernização e uma política de autonomia soberana em setores sensíveis (Saúde). 