RUBENS BARBOSA
Rubens Barbosa é presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e editor responsável desta revista. Foi embaixador do Brasil em Londres e em Washington.
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A nova geopolítica global e o Brasil
O mundo atravessa um momento de grandes transformações na área política, econômica e social. A geopolítica e a geoeconomia foram se modificando na última década e vão passar, ainda, por uma série de ajustes, depois da saída dos EUA do Afeganistão.
Sem esgotar o assunto e de maneira sumária, cabe mencionar alguns dos aspectos do novo cenário internacional:
Lugar dos EUA no mundo
• Continuará como superpotência – saída do Afeganistão, fim de uma Era: envolvimento militar para mudança de regime e reconstrução nacional
• Crescente isolamento (razões de política doméstica: divisão)
• Foco político e militar passa do Oriente Médio para a Ásia
• Credibilidade afetada: aliados da Otan – Taiwan
• Coalisão contra a China (dificuldade para dividir o mundo – Alemanha, Cingapura)
• Principal foco estratégico: China – terrorismo doméstico
•América do Sul no médio prazo pode vir a ser a nova prioridade (recursos minerais e presença da China)
Lugar da China no mundo
• Superpotência tecnológica, comercial, militar – quer reconhecimento de seu status
• Ásia como polo dinâmico de crescimento econômico e comércio exterior (China é a principal parceira comercial da maioria dos países)
• Adversária dos EUA (na visão do establishment norte-americano – como evitar a confrontação militar?)
• Belt and Road Initiative – projeto para respaldar expansão global
Acirramento na competição global entre China e EUA pela hegemonia política no século XXI (novas bases, diferentes da Guerra Fria EUA-URSS)
Redesenho do mapa geopolítico da Ásia
• Efeito sobre o equilíbrio da região: passa dos EUA–Índia para China–Paquistão
• Possibilidade de hospedar organizações terroristas islâmicas – consumo e tráfico de drogas
• Sudeste da Ásia: foco estratégico dos EUA para conter a China: aliança estratégica Quod (EUA, Índia, Japão e Austrália) – Taiwan – Coreia do Sul e Japão
Avanços tecnológicos (espaço digitalizado mundial, velocidade de
absorção tecnológica)
• Internet – TV
• 5G e inteligência artificial
Meio ambiente e mudança climática como preocupação global
• Amazônia
• Consequências econômicas e comerciais
• New green deal (Europa) – taxa de carbono
Globalização (reordenamento produtivo, cadeias de produção, protecionismo, autonomia soberana, revolução energética, crise no multilateralismo)
Regionalização: espaço expandido econômico sem fronteira (fortalecimento das potências regionais e dos acordos regionais (Nafta, European Union, Ásia: China (RCIP), TPP (Japão), Mercosul, Ásia Central (Rússia), África-acordo comercial) – futuro papel da América do Sul (hoje na periferia)
Multipolaridade (países emergentes – G7 (países mais desenvolvidos) – PIB de US$ 42 trilhões; E7 (países emergentes), PIB de US$ 53 trilhões. Excluída a China, o PIB do E6 fica maior que o do G6 (países desenvolvidos)
Novas ameaças (terrorismo, drogas, ataques cibernéticos, guerra no espaço)
Desigualdade (acelerada pela pandemia, geopolítica da vacina, marginalização dos países mais pobres)
A eleição de Donald Trump e sua atitude de colocar os EUA em primeiro lugar e acelerar o grau de isolamento de Washington, a vitória de Biden, a pandemia e, mais recentemente, a desastrosa saída dos EUA do Afeganistão estão produzindo tensões e consequências em todas as áreas e afetando todos os países.
Na geopolítica e na geoeconomia que estão emergindo, algumas mudanças estão passando despercebidas, mas são forças significativas com relevante impacto sobre todos os países, o que gera incerteza e instabilidade.
Levando em conta esse cenário global, em particular no tocante às questões de meio ambiente e de mudança de clima, do deslocamento do eixo econômico-comercial para a Ásia, em especial para a China, do 5G e da inteligência artificial e da confrontação entre as duas superpotências – o que fazer, segundo a perspectiva do Brasil?
O Brasil, nos últimos dois anos, foi apanhado no contrapé por não se ter acompanhado essas mudanças, o que deveria ser corrigido com uma visão atualizada e dinâmica das transformações globais.
Lugar do Brasil no mundo
• Qual será o lugar do Brasil no mundo que está emergindo?
• Como as grandes transformações econômicas, comerciais, tecnológicas e geopolíticas e geoeconômicas poderão afetar o interesse nacional?
• Como o Brasil se posicionará no contexto hemisférico e regional?
• Como o Brasil deveria reagir com a ampliação da confrontação entre a China
e os EUA?
• Como o Brasil poderá contribuir para o fortalecimento da governança global?
• Como ficarão as políticas em relação às negociações em fóruns multilaterais, ONU (Brasil assume um lugar no CSNU), OMC, OMS?
• Como implementar os objetivos estratégicos e os interesses do Brasil, levando em conta o resguardo da soberania e o fortalecimento da democracia?
A área de influência do Brasil, como definido na Política Nacional de Defesa, abrange América do Sul, Antártica e o Oceano Atlântico até a costa ocidental da África. A referência à integração regional amplia o entorno geográfico por incluir a América Central e a América do Norte. Além disso, o novo status de aliado estratégico dos EUA, extra Otan, e o oferecimento de parceria global da Otan colocam novos desafios para a política externa e de defesa. As rápidas transformações tecnológicas exigem um esforço para estimular a Base Industrial de Defesa a pesquisar para complementar as aquisições externas. As três áreas ressaltadas na Estratégia Nacional de Defesa (cibernética, energia nuclear e espaço) deveriam merecer estímulos, como ocorre nos EUA e na Otan, para que a produção nacional supere as vulnerabilidades cada vez maiores de nossos materiais bélicos e responda aos novos desafios de inteligência artificial.
Nossos interesses diretos do ponto de vista da preservação da soberania incluem, entre outros, a mudança da percepção externa negativa sobre o País, a volta do protagonismo nas negociações sobre meio ambiente e mudança de clima, com uma nova política em relação à proteção da Amazônia, a definição de uma política proativa para a América do Sul, pelo aperfeiçoamento da inteligência e da promoção no comércio exterior, pela parceria comercial ampliada com a Ásia (Asean e RCIP), reativação da participação do Brasil nos organismos multilaterais (políticos e econômico-comerciais) e posição equidistante no confronto EUA–China, definindo em cada caso o interesse nacional acima de considerações ideológicas ou geopolíticas. Dentro desse quadro, quais os desafios para o Brasil?
Desafios internos e externos para o Brasil
Os desafios internos são representados pela perda da competitividade da economia pela produtividade das empresas, pela aprovação das reformas estruturais (tributárias e administrativa) e pela abertura da economia (melhora do ambiente de negócios e privatizações), por um governo enfraquecido e por uma economia que começou a se recuperar, mas que deverá desacelerar em 2022, com mais de 14 milhões de desempregados. O déficit fiscal em crescimento imporá medidas de contenção e de redução dos gastos públicos. O custo do Estado – alta carga tributária, custo do financiamento, logística deficiente e burocracia – acarretou forte perda de competitividade da economia e produtividade da empresa nacional, tornando inadiável uma agenda ampla, mas gradual, de abertura da economia. Com o setor do agronegócio em expansão, a reindustrialização passa a ser uma das prioridades para o crescimento e o emprego. Em ambiente global de baixo crescimento, são urgentes as medidas para restabelecer a confiança dos empresários nacionais e estrangeiros no Brasil, dar segurança jurídica aos investimentos e criar as condições para que o Brasil volte a crescer de 4% a 5% ao ano de forma sustentável. A estabilidade econômica passa também pela consolidação das instituições e a manutenção da ordem democrática com ações moderadas do governo e da oposição.
Os desafios externos não são menos impactantes do que os internos. Profundas e rápidas transformações políticas, econômicas, estratégicas e tecnológicas geram instabilidade e incertezas. O cenário é de insegurança, agravado pela ameaça de confrontação comercial e tecnológica entre os EUA e a China e pela desaceleração da economia global em 2022.
O Brasil está fora dos fluxos dinâmicos da economia e do comércio exterior e isolado nas negociações de acordos de comércio. Está atrasado em inovação tecnológica, perdeu poder e influência e registrou um crescimento inferior ao da maioria dos países. Deixando de ser uma das dez maiores economias do mundo, o Brasil terá de recuperar seu lugar no cenário internacional. O desafio é o de promover uma crescente integração do Brasil no comércio internacional, tanto no âmbito comercial, quanto no de serviços e atrair investimentos estrangeiros diretos. O Brasil precisa abrir-se mais para o mundo como parte da estratégia de maior protagonismo do País no cenário global, inclusive para estimular sua autonomia soberana no tocante às cadeias de produção globais.
Os princípios básicos da política externa estão consagrados no artigo 4 da Constituição. Sendo o Itamaraty uma Instituição de Estado, suas ações devem estar acima de interesses partidários e ideológicos.
Para enfrentar o desafio das rápidas mudanças no cenário global, os formuladores de políticas governamentais terão de definir o que o Brasil quer da relação com os EUA (sem alinhamentos automáticos), com a China, com a Ásia, com a Europa e com seu entorno geográfico com objetivos estratégicos claros.
Governo e setor privado terão de enfrentar o desafio de assumir uma atitude proativa no tocante à integração regional. Não poderá ser ignorada a nova geopolítica nas Américas: os governos de esquerda no México e de direita no Brasil, o novo governo em Cuba, a situação deteriorada na Venezuela e na Nicarágua – a trinca da tirania trumpista –, a crise econômica na Argentina, o novo governo no Peru, a continuada baixa prioridade do governo dos EUA na região, enquanto aumenta a presença da China e da Rússia, criando condições para um realinhamento das forças política e econômicas. O relacionamento com a Venezuela deveria merecer atenção especial, já que interessa ao Brasil contribuir para uma solução política para a crise interna e para o acolhimento, a proteção e a assistência aos refugiados e migrantes venezuelanos.
Uma nova estratégia de negociações comerciais bilaterais (acordos na região e fora dela), regionais (Mercosul e Área de Livre Comércio) e multi e plurilaterais (Organização Mundial de Comércio) deverá ser definida para pôr fim ao isolamento do Brasil, com ênfase na abertura de novos mercados e na integração do Brasil às cadeias produtivas globais, ao aumento dos fluxos do comércio exterior e do investimento externo.
Em relação ao Mercosul, depois de 30 anos não se poderá adiar uma avaliação de seu funcionamento e decidir se as negociações com terceiros países continuarão a ser com uma única voz ou se os entendimentos serão bilaterais, além de decidir o que fazer com a Tarifa Externa Comum. A ratificação dos acordos do Mercosul com a União Europeia e com a EFTA dificilmente será concluída antes de 2023 pelas dificuldades geradas pelas políticas de meio ambiente na Amazônia. Os entendimentos com a Asean (em especial com Cingapura, Indonésia e Vietnã), Japão, Canadá e Coreia do Sul, além do Líbano, deveriam ser acelerados e contatos com os países africanos para entendimentos, visando à negociação de acordo comercial com o Mercosul, deveriam ser iniciados. O Itamaraty não pode ter suas atribuições reduzidas na promoção comercial (Apex) e na negociação externa para outras áreas.
A realidade recomenda que o Brasil continue a participar plenamente nas organizações multilaterais, em particular ONU, OMC e OMS. O papel da chancelaria será relevante para o ingresso do Brasil na OCDE, além de buscar ampliar nossa participação nos Brics, no G-20, na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e no acordo Índia, Brasil e África do Sul. Não sendo uma potência militar, o Brasil tem de se afirmar pelo soft power.
O tema ambiental e do desenvolvimento sustentável, como ativos externos do Brasil, mas também com preocupação pelo foco na Amazônia e nos seus ilícitos (desmatamento, garimpagem e incêndios), deveriam passar a se constituir no foco e na prioridade central da política externa com atuação protagonista, visando ao cumprimento das metas assumidas por nós mesmos no Acordo de Paris e em compromissos similares, com os ajustes necessários nas políticas internas para resguardo da soberania.
Não se pode esperar mais do que está sendo feito no atual governo, mas o debate sobre o papel do Brasil no mundo a partir de janeiro de 2023 não poderá ser adiado. O impacto das decisões externas sobre o Brasil não pode ser ignorado. O Brasil não é uma ilha. As decisões de política econômica e de política externa de outros países têm efeitos imediatos sobre o País, como se verifica nas medidas tomadas pelo governo Biden, nas decisões sobre política ambiental na Europa e nos EUA (inclusive a taxa de carbono) e a geopolítica das vacinas.
A nova gestão à frente do MRE começa a fazer planejamento de médio e longo prazos no tocante à presença do Brasil no exterior. Uma das primeiras medidas foi pedir formalmente a adesão do Brasil à Associação das Nações do Sudeste da Ásia (Parceria de Diálogo Setorial), dentro de uma nova e importante parceria com uma área de grande interesse para o agronegócio. A nova atitude e atuação do Itamaraty é bem-vinda porque ajuda a discussão sobre a reconstrução da atuação externa do Brasil e sobre como enfrentar os desafios do novo cenário internacional.
Para voltar a desempenhar o papel de relevo que sempre teve, o Itamaraty terá de adequar a política externa aos novos desafios internos e externos com dinamismo e inovação. Ao renovar-se e atualizar-se, atendendo às demandas dos novos tempos, terá de evitar formalismos, posturas defensivas e tendências burocráticas e ideológicas, que estão acarretando a perda de influência do Brasil na região e seu isolamento em um mundo em crescente transformação.
Será muito importante a discussão, na campanha para a eleição presidencial, sobre o lugar do Brasil no mundo a partir de 1º de janeiro de 2023, com visão de médio e longo prazos.
Conclusão
Definição de objetivos mínimos:
Brasil voltar a ser uma das dez maiores economias do mundo (hoje é a 13ª);
Fazer política da sua geografia e definir uma ação proativa na América do Sul;
Prioridade para inovação e tecnologia (5G e inteligência artificial);
Meta de crescimento sustentável (4% a 5%);
Reindustrialização com modernização e uma política de autonomia soberana em setores sensíveis (Saúde).