Em 3 pontos: o que deu errado no governo Dilma
BBC
Adriano Brito
Da BBC Brasil, em São Paulo
Ueslei Marcelino/Reuters
10.mai.2016 - A presidente Dilma Rousseff diz que há preconceito de gênero em seu processo de impeachment durante conferência sobre política para mulheres, no centro de convenções Ulysses Guimaraes, em Brasília (DF)
10.mai.2016 - A presidente Dilma Rousseff diz que há preconceito de gênero em seu processo de impeachment durante conferência sobre política para mulheres, no centro de convenções Ulysses Guimaraes, em Brasília (DF)
A presidente Dilma Rousseff, afastada do cargo após a decisão do Congresso de iniciar o processo de impeachment contra ela, vinha chefiando um governo duramente criticado até mesmo por correligionários.
A BBC Brasil conversou com professores e pesquisadores de algumas das principais faculdades brasileiras para tentar explicar os motivos pelos quais sua gestão, pelo menos até agora, vinha falhando em três áreas importantes: econômico, político e administrativo. Confira:
1. Economia
As acusações que embasam o pedido de afastamento de Dilma – as "pedaladas fiscais" e a assinatura de decretos de suplementação orçamentária sem a autorização do Congresso – refletem, de certa forma, a crise econômica que afeta o país.
Revelam as dificuldades que o governo enfrentou para fechar as contas públicas em um momento de baixíssimo crescimento ou, como agora, de recessão.
Segundo João Luiz Mascolo, professor de economia do MBA do Insper, Dilma errou ao não entender que a taxa de crescimento sustentada do país, ou seja, aquela que é possível manter por vários anos consecutivos, é de cerca de 2% anuais. E isso remonta ao governo Lula.
Para criar um "surto temporário de felicidade" em prol da candidata à sua sucessão, avalia Mascolo, o então presidente adotou uma série de medidas de estímulo, levando o PIB (Produto Interno Bruto) a crescer 7,5%, índice comparável ao da China, em 2010.
"Dilma pensou que isso era uma coisa permanente, e não temporária. Que bastaria fazer o que Lula fez para elegê-la, que o país ia crescer 7,5% todo ano, o que é um baita equívoco. A nossa taxa sustentada é 2%. Se você cresce 7,5% num ano, obviamente que os anos pela frente serão ruins."
Ao tentar repetir como "uma receita de bolo", a petista "disparou a inflação, que bateu 11% no ano passado, estourou a conta corrente e as contas externas", continua Mascolo, que aponta as sucessivas reduções da taxa básica de juros no início do governo dela como o "início do fim".
Dilma aumentou os gastos do governo e "comprometeu totalmente as contas públicas" para tentar estimular a demanda privada, conclui. "A prova é que a gente perdeu o grau de investimento: a trajetória de dívida/PIB é explosiva."
Já Bruno De Conti, docente do Instituto de Economia da Unicamp, vê "certo exagero" em dizer que o governo gastou demais.
A dívida bruta brasileira cresceu, na sua avaliação, por causa dos repasses do Tesouro ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para dar crédito barato às empresas e das perdas ocorridas, após a disparada do dólar, com os leilões de contratos de swaps cambiais (instrumentos que equivalem à venda futura da moeda americana, usados para conter a desvalorização do real e dar estabilidade ao mercado).
Ele vê três razões principais para o fracasso econômico – e, diferente de Mascolo, não coloca todas na conta de Dilma.
A primeira delas é o cenário internacional. Como o Brasil é "muito dependente" do que ocorre no exterior, ainda é largamente afetado pelo movimento no preço das commodities (matérias-primas), explica. "A gente viveu a bonança oriunda desse boom externo, mas vive agora o efeito contrário. Não temos a resiliência que se julgava em relação à crise."
Como segunda, elenca o que vê como erros da política econômica: segurar investimento público e "estender o tapete vermelho" para o privado com as desonerações (reduções de impostos) a determinados setores, com pouco retorno.
O terceiro aspecto, afirma, são os problemas estruturais que não foram resolvidos desde os governos anteriores e, em alguns casos, "podem até ter sido aprofundados" sob Dilma, como a fragilidade da indústria.
A época de real forte, diz, foi prejudicial à competitividade do setor, levando a uma alta importação principalmente de bens intermediários, como peças.
Assim, foram criadas lacunas na estrutura industrial, levando o crescimento registrado no governo Lula a "vazar para o exterior". Ele explica: a demanda aquecida alimentou a indústria externa, como a chinesa, em vez de diversificar a nacional.
2. Política
O cientista político Milton Lahuerta, professor da Unesp, evoca o clássico livro político "O Príncipe", de Nicolau Maquiavel (1469-1527), para descrever o desempenho ruim de Dilma na área política.
"Maquiavel diz que o pior tipo de principado é o herdado. Por que o príncipe não teve 'virtù' (em linhas gerais, qualidades pessoais) para conquistar o principado. Ele foi beneficiado pela 'fortuna', pela sorte", diz.
"Por que é o pior tipo de principado? Porque vai ser marcado pela instabilidade, já que diante da crise o príncipe não saberá como agir. Ele não foi preparado para isso, não conquistou sua sabedoria ao conquistar o poder."
Para ele, esse é o "nó inicial": Lula "criou" a sucessora. "Dilma não tem vida própria como política."
A petista se beneficiou das boas condições que permitiram o sucesso do segundo governo Lula, bem como do carisma do antecessor, continua Lahuerta. Mas, ao se reeleger, encontrou um país dividido e uma problemática agenda de ajuste fiscal, o que "exigiria mais habilidade do príncipe, no caso a princesa".
Ele lista uma sucessão de erros a partir daí:
"Primeiro, Dilma tentou reafirmar sua autonomia em relação a Lula. De outra parte, isolou o (vice Michel) Temer. E, cercada por trapalhões na operação política, quis criar um novo partido, com Cid Gomes e Gilberto Kassab, para esvaziar o lado fisiológico do PMDB, em vez de iniciar uma negociação para colar mais a legenda politicamente a seu governo. Como se o PMDB fosse ficar quieto", diz, sobre a tentativa frustrada de recriar o PL.
Cita ainda a disputa com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), que, na sua opinião, deveria ter sido evitada, pela força e influência que tem entre os deputados.
Vera Chaia, professora do Departamento de Política da PUC-SP, avalia que Dilma foi bem no primeiro ano de governo, ao se afirmar e demitir uma série de ministros acusados de corrupção, mas perdeu o controle da equipe e delegou poder demais ao PMDB no segundo mandato.
"Pôr Temer como articulador é como colocar um gato para tomar conta dos ratos."
A presidente afastada, diz, não soube montar seu time, e a chegada de articuladores hábeis, como Jaques Wagner e Lula, ocorreu tarde demais. Ela, lembra, por exemplo, a insistência em manter Aloizio Mercadante, agora na Educação, como ministro da Casa Civil, contra a vontade do PT e de seu mentor: "Ele era um desarticulador das bases".
Dilma não soube o que confiar aos peemedebistas e, segundo a professora, mudou radicalmente de estilo: de alguém tido como centralizadora, passou a dividir demais a tomada de decisões. "Não conseguiu coordenar conflitos. Foi inábil, e o PMDB nunca foi fiel."
3. Administração
Dilma não estaria sob processo de impeachment se tivesse adotado uma agenda de reformas para melhorar a gestão pública no país, avalia Gustavo Fernandes, professor do Departamento de Gestão Pública da EAESP-FGV, para quem os debates jurídicos sobre o impeachment ignoram o fato de o Brasil ainda ter um sistema que permite as "pedaladas".
"Se há a possibilidade de você esconder um gasto público, tem alguma coisa errada com a sua forma de fazer orçamento", opina. "Se o planejamento e a transparência fossem maiores, uma 'pedalada' contábil não poderia acontecer."
O sistema contábil brasileiro, explica, é baseado em uma lei de 1964, (a Lei de Contabilidade Pública), na ideia do Plano Plurianual (instituído na Constituição de 1988) e na Lei de Responsabilidade Fiscal (criada no fim do governo FHC). "Algo envelhecido, completamente descolado do que se faz hoje nas principais economias do mundo."
O Plano Plurianual fica congelado por quatro anos, diz, o que não ocorre no Reino Unido, por exemplo, onde é atualizado anualmente. A Lei de Responsabilidade Fiscal, por sua vez, não foi feita para melhorar o planejamento, mas para "segurar o gasto público" e evitar a "explosão da dívida", afirma.
Um segundo problema, continua, é a forma como o gasto é controlado no país pelos Tribunais de Contas, que se preocupam apenas com o "formalismo", ou seja, se o dinheiro foi aplicado seguindo os moldes legais, e pela CGU (Controladoria-Geral da União), que se dedica a procurar corrupção. Não há, avalia, quem questione a "eficiência do gasto".
Ele usa novamente o sistema britânico como exemplo: lá, a questão principal é saber o que foi feito com o dinheiro, e não se as contas cumpriram as regras burocráticas.
Para completar, Fernandes critica a "política de campeões nacionais do BNDES" por não conseguir encontrar os "perdedores", ou seja, aqueles setores ou empresas em que o investimento do governo não deu certo, e deveria ser cortado.
"Se você tem um sistema de gastos transparente, tem uma forma de controle que procura ver o que o gestor fez com o dinheiro", observa. "Estou no BNDES e dei dinheiro para essas empresas: elas fizeram a renda daquela região crescer ou não? As pessoas vivem melhor ou não?", questiona.
Para ele, o país não avançou "uma vírgula" nessas questões institucionais sob Dilma. "Mas, para ser sincero e justo, eu não vejo também em nenhum programa dos partidos de oposição no nível federal grandes avanços nesse sentido."
*Esta reportagem foi publicada originalmente em 18 de abril de 2016 e atualizada na manhã desta quinta-feira (12 de maio)
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