Gustavo Maia
Do UOL, no Rio 19/04/2016
Sergio Lima/ FolhaPres
Dilma recebe diploma de presidente do ministro Dias Toffoli, presidente do TSE
Dilma recebe diploma de presidente do ministro Dias Toffoli, presidente do TSE
A ideia começou a ser defendida publicamente por petistas nos últimos dias, mesmo antes da aprovação do pedido de abertura de impeachment da presidente Dilma Rousseff pela Câmara do Deputados, na noite deste domingo (17).
Como resposta à crise política no país, a presidente apresentaria ao Congresso Nacional uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) para convocar novas eleições presidenciais ainda este ano, que seriam realizadas simultaneamente ao pleito de prefeitos e vereadores, em outubro.
A iniciativa seria uma retaliação à eventual posse do vice-presidente Michel Temer (PMDB), que apareceu com 2% de intenções de voto na última pesquisa Datafolha, e ao que governistas chamam de "eleições indiretas" por parte do Congresso. Em entrevista nesta segunda-feira (18), Dilma afirmou que não está avaliando a iniciativa nesse momento.
Mas, se assim decidir, a presidente poderia propor a convocação de novas eleições? A iniciativa seria viável? O UOL ouviu quatro juristas especializados em direito constitucional e eleitoral, que concordaram sobre a improbabilidade da medida e divergiram quanto à constitucionalidade da ação.
Quem pode propor emendas à Constituição?
Segundo disposto no artigo 60, a Constituição "pode ser emendada mediante proposta" do Presidente da República; de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado; de mais da metade das Assembleias Legislativas estaduais --que devem se manifestar, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.
A presidente pode apresentar PECs. Se o Congresso aprovar, alterada estará
Rubens Beçak, professor de direito constitucional da USP (Universidade de São Paulo)
Como é a tramitação da proposta?
Cada Proposta de Emenda à Constituição deve ser apresentada inicialmente à Câmara, onde é analisada pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania). O exame é feito quanto a constitucionalidade, a legalidade e a técnica legislativa, sem entrar no mérito.
Se a proposta for aprovada nesta etapa, a Casa deve criar uma comissão especial para analisar seu conteúdo, em prazo de até 40 sessões do plenário. Em seguida, a PEC deverá ser votada pelo plenário da Casa em dois turnos, com intervalo de cinco sessões entre cada votação. São necessários pelo menos 308 votos (ou seja, 60% dos deputados) nas duas ocasiões para aprovar a proposta.
Neste caso, a PEC segue para o Senado, onde deverá passar pelos mesmos procedimentos. Se não houver nenhuma alteração no texto, a proposta é promulgada pelas duas Casas e entra em vigor. Em caso contrário, ela volta para a Câmara para ser votada novamente. Como o processo é complexo, não há como prever a eventual duração.
"As PECs têm tramitações de prazos muito diferenciados. Mas quando você tem a vontade política, pode andar rápido", aponta Beçak. "Depende de acordos entre as lideranças partidárias tornar o processo o mais célere possível", diz o professor de direito público da UnB (Universidade de Brasília) Mamede Said Filho.
Seria possível planejar a nova eleição a tempo?
O primeiro turno das eleições municipais está marcado para o próximo dia 2 de outubro, daqui a cinco meses e 12 dias. Três dos quatro juristas procurados pela reportagem apontaram o período como insuficiente para o eventual planejamento de eleições presidenciais para a mesma data. Em média, segundo os especialistas, cada pleito demanda um ano de preparação.
A máquina eleitoral não teria a menor condição operacional
Vânia Aieta, professora de direito político da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro)
"É uma ideia de desespero, em um momento que o barco está afundando", opina a jurista, que advoga na área eleitoral.
Outro obstáculo para a viabilidade da proposta seria de ordem financeira. No último dia 7, depois que alguns políticos falaram sobre a ideia, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) informou ao UOL que não possui recursos para realizar uma eleição extra para a Presidência em 2016, ano marcado pelo corte de repasses. A Secretaria de Comunicação Institucional da entidade afirmou que uma nova eleição em nível nacional custaria R$ 800 milhões.
No entendimento de Mamede Said, o problema é contornável. "Uma proposta dessa natureza demandaria um aporte extra de recursos no TSE", declarou.
O atual impasse político-institucional justifica medidas drásticas, excepcionais
Mamede Said Filho
A proposta é constitucional?
É nesta questão que os juristas mais divergem. Além de "forçar a barra", na opinião de Rubens Beçak, ou "ferir o sistema eleitoral", como avaliou Vânia Aieta, a PEC "não resistiria a nenhum exame constitucional", de acordo com o advogado Torquato Jardim, que foi ministro do TSE entre 1988 e 1992.
É absolutamente inconstitucional. Isso aí é um balão de ensaio de quem nunca leu a Constituição
Torquato Jardim
Segundo o jurista, o artigo 16 da Constituição, segundo o qual a lei que alterar o processo eleitoral não se aplica à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência, impediria a realização de novas eleições ainda neste ano. "Esta é uma cláusula pétrea", completou Jardim.
O professor Mamede Said Filho discorda da interpretação do ex-ministro do TSE. "Não vejo como cláusula pétrea. Esse artigo visa dar segurança jurídica, para não dar espaço a alterações casuísticas, mas a proposta não seria uma lei eleitoral. Uma eventual PEC nesse sentido poderia ter uma ressalva e se enquadrar no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, como o do plebiscito de 1993 sobre o sistema de governo no país", argumentou.
Não dá para justificar a questão apenas sob o prisma jurídico. Direito e Política caminham juntos
Mamede Said Filho
Para Rubens Beçak, a proposta certamente sofreria "um questionamento muito atroz" no STF (Supremo Tribunal Federal), mas, "poderia ser uma solução ideal diante do atual cenário político". "No entanto, acho extremamente difícil e pouco provável que se consiga fazer isso", opinou.
Vânia Aieta alerta para o que classificou de "casuísmo político". "No momento em que grupos políticos começam a se valer de arremedos normativos, a gente começa a enveredar por um campo extremamente perigoso, porque a Constituição é uma segurança para a sociedade. Eu acho que nesse momento o que o governo deve fazer é cumprir os ritos da Constituição", declarou. "Não consigo ver constitucionalidade material num provento desse", acrescentou.