Relator diz que "violações" praticadas por Dilma justificam abertura de impeachment
quarta-feira, 6 de abril de 2016
Deputado Jovair Arantes, relator do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff, durante sessão da comissão do impeachment, em Brasília. 06/04/2016 REUTERS/Adriano Machado
Por Maria Carolina Marcello
BRASÍLIA (Reuters) - Em posicionamento esperado, o relator do pedido de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff na comissão especial da Câmara, deputado Jovair Arantes (PTB-GO), afirmou em parecer apresentado nesta quarta-feira que as “violações” cometidas pela presidente justificam a abertura de um processo de impedimento.
Durante leitura do relatório de quase 130 páginas pela admissibilidade da denúncia contra Dilma, Arantes considerou haver indícios de crimes de responsabilidade cometidos pela presidente nas chamadas “pedaladas fiscais” e na abertura de créditos suplementares por decreto sem autorização do Legislativo.
“A magnitude e o alcance das violações praticadas pela presidente da República constituíram grave desvio dos seus deveres funcionais, com prejuízos para os interesses da nação e com a quebra da confiança que lhe foi depositada. Tais atos justificam a abertura do excepcional mecanismo do impeachment”, escreveu o relator.
O relator reconheceu que o impedimento não é um instrumento exclusivamente político, mas rebateu os argumentos de governistas defendendo que “respeitadas as balizas democráticas, o processo do impeachment não é golpe de Estado”.
Políticos contrários ao impedimento têm classificado o processo que corre na Câmara como um “golpe”, por considerarem que não há uma clara caracterização de crime de responsabilidade por parte da presidente.
“Muito se tem dito nos últimos dias que esse processo seria um 'golpe' contra a democracia. Com todo o respeito, ao contrário! A previsão constitucional do processo de impeachment confirma os valores democráticos adotados por nossa Constituição”, afirmou o relator, considerado próximo do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), desafeto do governo que tem trazido dores de cabeça ao Planalto por comandar parte significativa de deputados, inclusive integrantes da base aliada.
Após a apresentação do relatório nesta quarta, a comissão terá um período de dois dias de vistas para que os deputados analisem o relatório.
A previsão, seguidos os prazos do trâmite de um processo de impeachment, é que se vote o relatório na próxima segunda-feira. Uma vez votado na comissão, precisa ser lido na sessão plenária da Câmara seguinte e publicado. A partir daí, após prazo de 48 horas, pode ser votado pelos parlamentares no plenário da Câmara dos Deputados. São necessários os votos de 342 deputados para que a Casa autorize a abertura do processo de impeachment contra Dilma. Posteriormente, o Senado terá de decidir por maioria simples se instaura o processo contra a presidente, o que implicaria em seu afastamento da Presidência por 180 dias até a conclusão do julgamento pelo Senado.
O Palácio do Planalto espera uma derrota na comissão especial e já vinha concentrando esforços para conseguir uma decisão favorável no plenário da Casa, especialmente depois do rompimento do PMDB com o governo. A avaliação na véspera da apresentação do parecer de Arantes era que haviam aumentado as chances de segurar o processo no plenário da Casa.
Essa avaliação foi reiterada pelo líder do PT no Senado, Paulo Rocha (PA), que já esperava um relatório contrário a Dilma de Arantes.
"Estamos nos preparando para o plenário. Vai ser difícil eles colocarem 342 votos no plenário", disse.
Já o líder do governo no Senado, Humberto Costa (PT-PE), disse que deputados governistas que integram a comissão do impeachment devem apresentar um voto alternativo ao de Arantes para tentar aprovar no colegiado um parecer contrário ao impeachment.
"Deve haver um pedido de vista na Comissão é um voto em separado para ir a votação", disse o senador.
PERPLEXIDADE
A denúncia original, redigida pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Jr. e Janaína Paschoal, acusa o governo de editar decretos de créditos suplementares sem autorização do Congresso e da prática das chamadas pedaladas fiscais em 2015. Quando acatou o pedido de impeachment contra Dilma no ano passado, Cunha considerou apenas esses trechos da denúncia.
Os argumentos dos autores do pedido de impedimento fazem menção também às pedaladas fiscais ocorridas no primeiro mandato de Dilma, já reprovadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU), além de citar esquema de corrupção na Petrobras investigado pela operação Lava Jato da Polícia Federal.
No relatório apresentado nesta quarta, Arantes afirmou não ter levado em conta as denúncias de irregularidades na estatal, mas acrescentou que essas acusações podem ser consideradas pelo Senado, quando fizer o julgamento do mérito da denúncia.
“Embora não tenha utilizado, como fundamento jurídico para a formulação deste parecer, as acusações de improbidade direcionadas contra a denunciada, não podemos desconsiderar a perplexidade da população com as constantes revelações das investigações da operação Lava Jato sobre o maior esquema de corrupção de que se tem notícia neste país e que atinge principal e diretamente a maior empresa brasileira, a Petrobras”, disse o relator.
O deputado chegou a se posicionar pessoalmente favorável à possibilidade de que a presidente seja julgada por atos praticados no mandato anterior, mas pondera que não os consideraria no relatório, atendo-se apenas ao que foi admitido por Cunha quando deu seguimento ao pedido de impeachment.
Sobre o argumento da defesa de Dilma, que acusa o presidente da Câmara de ter agido por “vingança” à decisão do PT de votar pela admissibilidade de sua cassação no Conselho de Ética da Casa, Arantes afirmou que o tema já foi abordado e afastado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) quando julgou ação sobre o rito do impeachment.
Na ocasião, o STF avaliou que não cabia a discussão sobre um eventual impedimento de Cunha, que, por ser deputado, tem posições políticas.
O relator também rejeitou tese da defesa segundo a qual haveria nulidade em fazer audiências na comissão com dois dos autores da denúncia, Janaína e Reale Jr.
Ao apresentar os argumentos do governo, o advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, afirmou que se a denúncia foi clara o suficiente para ser aceita, não necessitaria de explicações e que os juristas não poderiam ter abordado temas que extrapolaram a parte da denúncia aceita por Cunha. “Os denunciantes foram convidados a comparecer a esta Casa não porque a peça inicial fosse omissa, contraditória ou obscura, mas para ‘prestar esclarecimentos’”, disse Arantes no relatório, argumentando que não havia como “cercear” a livre manifestação dos autores da denúncia.
(Reportagem adicional de Eduardo Simões, em São Paulo)
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