sábado, 10 de dezembro de 2016

A PEC 55 e os impactos sobre as mulheres


A PEC 55 e os impactos sobre as mulheres

Juliane Furno, Cristina Pereira Vieceli, Priscila Von Dietrich, Marsala Maciel Machado e Anelise Manganeli

Os impactos da PEC sobre as mulheres estão relacionados de forma direta com a sua inserção no mercado de trabalho, o que se traduz nos nichos de trabalho feminino, diferenças salariais e no fato de serem elas as principais responsáveis pelos trabalhos reprodutivos
A Proposta de Emenda Constitucional nº 55 visa a instituir o Novo Regime Fiscal que limita os gastos do poder executivo, supremo tribunal federal, senado federal, ministério público e defensoria pública da união. Pela nova regra definida pela PEC 55, os limites de despesas serão calculados para 2017 pela despesa primária paga no exercício de 2016 corrigida em 7,2% e, após este período, pela variação do IPCA calculado nos últimos 12 meses do exercício anterior[1].

Esta regra valerá para os próximos 20 anos, o que incorrerá no congelamento dos gastos com bens e recursos públicos essenciais à população e demandará necessariamente reformas estruturais no país, como a previdência social e a lei de valorização do salário mínimo.

Os impactos da PEC sobre as mulheres estão relacionados de forma direta com a sua inserção no mercado de trabalho, o que se traduz nos nichos de trabalho feminino, diferenças salariais e no fato de as mulheres serem as principais responsáveis pelos trabalhos reprodutivos, ou seja, aqueles destinados ao cuidado e manutenção da casa e de seus membros.

Com a aprovação da PEC, a tendência é aprofundar as desigualdades de gênero, na medida em que a proposta possui impacto direto sobre as populações mais vulneráveis. Isto ocorre tanto pela revisão das regras para previdência social e da lei de valorização do salário mínimo, como também pelos impactos em setores onde as mulheres possuem maior representatividade, como a saúde e educação.  Vejamos cada uma delas:

No que tange à previdência social, a necessidade de limitar os gastos públicos trará como contrapartida a mudança nas regras previdenciárias hoje vigentes. Tal reforma acarretará impactos importantes sobre as mulheres, na medida em que as propostas apontam para a equiparação da idade mínima entre homens e mulheres, revisão das regras de pensão, proibição do acúmulo de pensão e aposentadoria, além da perda da possibilidade de antecipação da aposentadoria para os professores de educação básica, o que afeta principalmente as mulheres, devido ao seu maior peso nessa categoria.

Atualmente a previdência social possui um papel importante para a diminuição das desigualdades de gênero e raça no mercado de trabalho. A diferença entre o tempo de aposentadoria para homens e mulheres teria a finalidade de compensar o maior tempo feminino dedicado aos afazeres domésticos e, por conseguinte, a menor capacidade de as mulheres contribuírem para a previdência.

A necessidade de “caberem” as atuais demandas sociais no congelamento dos gastos trata a necessidade imediata de outra importante reforma, a saber: a revisão da política nacional de valorização do salário mínimo.

Isso porque a PEC 55 prevê, entre as sanções no caso de descumprimento da lei, a proibição de reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação. Segundo Laura Carvalho (2016), como boa parte das despesas obrigatórias são indexadas ao salário mínimo, atropelaria a lei de reajuste, impedindo sua valorização real, mesmo se a economia estiver crescendo.

A revisão da Lei de Valorização do Salário Mínimo afetaria principalmente as mulheres, uma vez que elas estão superrepresentadas nessa faixa salarial. Segundo dados do Censo Demográfico de 2010, 33,7% das mulheres e 25,7% dos homens tinham rendimento mensal de até um salário mínimo. Dentre as mulheres, 40,3% eram mulheres negras e 50,5% alocadas em zonas rurais. Entre as regiões brasileiras, a Nordeste possui maior representação de mulheres na faixa salarial de até um salário mínimo, totalizando 48,5% das mulheres ocupadas, sendo 50,8% das mulheres negras e 59,3% das que vivem nas zonas rurais.

Por definir regras que congelam os recursos destinados para a saúde e a educação, a PEC afeta marcadamente as mulheres. Isto ocorre tanto pelo lado da diminuição da oferta de recursos pelo Estado, incorrendo na sobrecarga de trabalho feminino para o cuidado das crianças e idosos, mas também por serem setores que empregam majoritariamente força de trabalho feminina.

Além disso, como as mulheres vivem mais do que os homens, dependem mais dos recursos na sua fase final de vida, tendendo a ter doenças crônicas e dependendo de remédios de uso contínuo.

Quanto à distribuição das mulheres por agrupamento de atividades, os dados da PNAD – IBGE de 2014 indicam maior presença das mulheres em setores afetados diretamente pela PEC, principalmente “educação, saúde e serviços sociais”, que correspondem a 18,2% do total das ocupadas em comparação com 4,3% dos homens.



O terceiro setor com maior presença feminina, seguido de comércio e reparação (17,5%) é o emprego doméstico, com 13,9% das mulheres ocupadas. Esta categoria será impactada diretamente pela revisão da lei do salário mínimo, já que grande parte das empregadas domésticas está alocada nessa faixa salarial. Além disso, o congelamento salarial e da carreira dos servidores públicos federais impacta em um segmento com alta presença feminina de maior escolaridade, e que possui maior igualdade salarial por gênero.

A menor presença do Estado como provedor de recursos voltados para as atividades reprodutivas tende a aprofundar o papel da mulher como ofertante desses recursos de forma não remunerada. A desigualdade de tempo entre homens e mulheres destinadas para essas atividades já é bastante relevante, segundo dados da PNAD/IBGE de 2012: enquanto quase a totalidade das mulheres maiores de 16 anos afirmam exercer atividades domésticas, entre os homens o percentual é de 50%. Neste ano, as mulheres despenderam, em média, 23,56 horas semanais aos afazeres domésticos e os homens apenas 6 horas.

É importante pontuar que o impacto da sobrecarga de trabalhos reprodutivos afeta principalmente as mulheres de baixa renda, por terem menor acesso aos recursos privados (escolas de educação infantil, escola em tempo integral, lavanderia, restaurantes etc.) e dependerem principalmente da oferta de recursos públicos.

Famílias de baixa renda, em geral, estão alocadas em regiões periféricas ou zonas rurais, despendendo mais tempo para deslocamento ao trabalho, hospitais e escolas. As regiões, muitas vezes, não têm saneamento básico adequado e as famílias não têm condições de adquirir eletrodomésticos, que diminuem o tempo de trabalho destinado aos afazeres domésticos.

São a partir, prioritariamente, desses elementos que identificamos que a PEC 55 trará consequências nefastas para o conjunto dos trabalhadores. No entanto, “a classe trabalhadora tem dois sexos”, e, nessa pesagem desigual, conseguimos identificar que as mulheres serão demasiadamente afetadas.
http://jornalggn.com.br/noticia/

REFERÊNCIAS

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Estatísticas de gênero, uma análise do Censo Demográfico. 2010. Rio de Janeiro, 2014. Disponível em <http://biblioteca.ibge.gov.br/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=288941> Acesso em 18 nov 2016

DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS (DIEESE). A PEC e as mulheres. Out. 2016

CARVALHO, LAURA. Entrevista Comissão de Assuntos Econômicos. 11 de outubro de 2016. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=FcQyEe4eteE>

[1]Exceto para saúde e educação. Só a partir de 2018, o gasto mínimo com saúde passará a ser corrigido pelo IPCA, e não mais pela variação da Receita Corrente Líquida.

Juliane Furno é graduada em ciências sociais pela UFRGS, doutoranda em desenvolvimento econômico na Unicamp e militante do Levante Popular da Juventude

Cristina Pereira Vieceli é doutoranda em Economia pela UFRGS e do grupo de estudos EcoFem da UFRGS

Priscila Von Dietrich é graduanda em Economia pela UFRGS e do grupo de estudos EcoFem da UFRGS

Marsala Maciel Machado é graduanda em Economia pela UFRGS e do grupo de estudos EcoFem da UFRGS

Anelise Manganeli é mestre em Economia pela PUC-RS e do grupo de estudos EcoFem da UFRGS

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