quinta-feira, 2 de julho de 2015

Como fica o euro após eventual saída da Grécia? Conheça quatro visões



Economistas esperam que Banco Central Europeu tome medidas para evitar especulação financeira
Após deixar de pagar uma parcela de 1,6 bilhão de euros de um empréstimo concedido pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), o futuro da Grécia na zona do euro depende do referendo previsto para domingo.

A perspectiva de sair da União Europeia preocupa não apenas a Grécia como outros países do bloco.
Os gregos poderiam encarar experiências semelhantes vividas por Argentina e Islândia, que também enfrentaram um calote e uma acentuada desvalorização monetária.
Mas o destino da zona do euro é mais complexo e incerto.

Como a Grécia representa menos de 2% do Produto Interno Bruto (PIB) do bloco, sua saída não teria um impacto imediato.

A maioria dos economistas espera que o Banco Central Europeu (BCE) tome medidas para evitar que a especulação financeira abale as economias mais fragilizadas da zona do euro. Mas e depois disso?
Alguns acreditam que a crise fará com que os 19 países que usam o euro se unam ainda mais. Outros dizem o oposto: os mercados derrubarão os países mais frágeis um a um e no final sobrará um bloco reduzido de peso bem menor.

Reunimos as opiniões de quatro economistas e analistas sobre como seria o futuro do euro sem a Grécia.

Anders Borg, presidente da Iniciativa de Sistema Financeiro Global do Fórum Econômico Mundial e ex-ministro da Fazenda da Suécia
Borg acredita que o impacto na zona do euro será limitado. "A saída da Grécia teria um impacto negativo na economia do euro, mas não muito grande, talvez reduzindo seu crescimento entre 0,2% a 0,4%, mas nada perto do efeito que vimos em 2008 e 2010."
"Se você olha como os mercados de ações foram afetados, não foi tão ruim assim. A exposição individual de bancos tem sido limitada e, apesar de muitas instituições públicas estarem ligadas à dívida grega, não há quaisquer problemas de liquidez ou solvência.

"É importante vermos políticas apropriadas sendo postas em prática pelo BCE. Ele precisa fazer o que está fazendo agora - intervenções mensais no mercado, claramente sinalizando que fará o que for necessário para manter o euro, o que inclui até mesmo aumentar no curto prazo a quantidade de dinheiro que está injetando na economia."

Stefanos Manos, ex-ministro da Fazenda da Grécia

"Não acho que terá consequências graves para o euro, e acredito que as instituições europeias se protegeram de tudo que poderia prejudicá-las por uma eventual saída da Grécia. O euro pode estar um pouco frágil, mas isso não o afetaria tão negativamente assim.

"Mas pode assustar as pessoas na Europa e levá-las a se esforçarem mais para criar uma união mais forte. Além da unificação bancária, é preciso uma unificação fiscal. A saída da Grécia poderia ser um bom motivo para acelerar o processo.

Manos afirma que o futuro da Grécia fora da zona do euro não encorajaria outros a seguir os gregos - na verdade, geraria o efeito contrário. "Seríamos um exemplo do que evitar."

Economistas se dividem quanto à força do sistema bancário europeu diante de eventual saída grega
John Ryan, professor da London School of Economics
Ryan diz que haverá danos ao euro no curto prazo, mas que eles serão controláveis. Mas ele acredita que, depois, podem surgir problemas mais sérios.

"Os efeitos poderiam ser graduais em vez de imediatos. O BCE pode conter o 'sangramento' inicial, apoiando os mercados. Mas depois a resiliência das economias periféricas será testada."
Ele não tem muita fé de que o sistema bancário europeu suportará o impacto da saída da Grécia. "Foram feitos testes de estresse, mas alguns bancos não participaram ou foram reprovados. Não estou convencido de que eles sejam tão fortes quanto deveriam.

Ryan também duvida de uma possível unificação maior dos países-membros. "A verdade é que, no fim das contas, eles estão se dando conta que não há uma disposição de fazer o que é necessário para criar uma verdadeira união monetária, com uma união fiscal e de transferências financeiras - para transferir dinheiro dos países ricos para os pobres - algo que não tem qualquer apoio na Alemanha."
Vicky Pryce, ex-diretora do Serviço Econômico do governo do Reino Unido

Vicky Pryce diz que sempre foi cética quanto à habilidade da zona do euro de funcionar como uma união monetária sem uma união política. Quando o euro foi lançado, ela tinha colocado em 50% as chances de dar certo, e diz que as chances hoje são as mesmas.
"A saída da Grécia não mudaria nada. Uma união monetária sempre seria difícil de concretizar, e sempre imaginei que um país que não encaixasse acabaria deixando o bloco. E a perspectiva de instabilidade provavelmente empurrará o euro rumo a uma integração maior depois dessas turbulências.

"O euro ainda enfrentará o problema de ter taxas de juros determinadas na Alemanha e que são boas para suas grandes economias centrais, mas não para os países na periferia."
Ela acredita que o ECB inundará imediatamente o mercado com liquidez e garantirá que o sistema bancário europeu está seguro. Isso adiaria qualquer pretensão de aumentar as taxas de juros.

Mas ela diz que estas medidas custarão caro. "Há estimativas terríveis sendo divulgadas por instituições alemãs sobre os custos do calote grego em sua dívida. A saída da Grécia gera um incerteza para o país e para o restante da Europa, e isso pode impactar seu crescimento."




Mas como um cenário como esse poderia repercutir nas economias do resto do mundo ─ e do Brasil em particular?

Poderíamos ter um "efeito dominó" em que seriam atingidas, em um primeiro momento, a Europa e os países europeus mais vulneráveis e, logo, outras economias que se esforçam para retomar o crescimento?

Há certo consenso entre especialistas ouvidos pela BBC Brasil de que, no caso de um calote grego, o risco de contágio para outros países da região seria menor do que há alguns anos.
"Primeiro porque os bancos europeus já reduziram bastante sua exposição à Grécia. Depois, porque outras economias consideradas vulneráveis do bloco, como Espanha, Portugal e Irlanda, estão caminhando na direção de colocar suas contas em dia e retomar o crescimento", diz o economista Silvio Campos Neto, da Tendências Consultoria.

Para ele, "um calote grego poderia até ter algum um impacto no ritmo de recuperação da Europa, mas não iria reverter esse processo."

O diplomata e ex-ministro da Fazenda, Rubens Ricupero, compara as reverberações de um possível calote grego com o da moratória argentina de 2001.
Em um primeiro momento houve grande turbulência nos mercados da região. Com o tempo, porém, esse efeito se dissipou. "No fim, foi um desastre principalmente para a Argentina, que nunca mais voltou aos mercados financeiros internacionais", diz ele.

Tanto Wilber Colmerauer, diretor do Emerging Markets Funding, em Londres, João Augusto Neves, analista da Eurasia Group, e Campos Neto, da Tendências, concordam que uma moratória de Atenas poderia ter um impacto em mercados emergentes como o Brasil ao aumentar a aversão ao risco entre investidores.

"No imediato, poderíamos ter uma pressão maior sobre o câmbio, com uma desvalorização do real, por exemplo", diz Campos Neto.

"Mas esse efeito sobre os emergentes seria de curto prazo", completa Colmerauer.
Para o diretor do EM Funding, o Brasil, "por estar em uma situação econômica complicada está na linha de frente dos países que podem sofrer com qualquer marola na economia internacional".
"Mas em função da Grécia não ter nada a ganhar com uma ruptura, não acho que essa deva ser uma preocupação para o país", diz ele.

Saída da Grécia do euro é 'pouco provável', dizem analistas
A percepção de economistas e especialistas consultados pela BBC parece ser a de que uma eventual saída da Grécia da zona do Euro é pouco provável, porque não interessa nem aos gregos nem a seus colegas europeus.

"Todo mundo perde com um default na Europa", diz Ernesto Lozardo, especialista em economia internacional da FGV.

"A probabilidade de termos um cenário como esse, com contágio para outras economias, é pequena. Mas ainda assim esse é um risco que precisa ser monitorado", concorda Neves, do Eurasia Group.
Ao comentar as declarações da autoridade monetária grega, Ricupero diz que "existe um jogo de ameaças que sempre faz parte de uma negociação como essa".
"Além disso, o que o BC grego colocou em um mesmo pacote seria resultado de um longo processo com diversos cenários possíveis. A Grécia poderia sair do euro mas não da UE, por exemplo ", afirma ele.
O ex-ministro admite, porém, que uma moratória seguida de abandono da moeda europeia pelos gregos poderia ter consequências imprevisíveis para a economia europeia e mundial.
"E o que se teme não é só o efeito econômico direto, mas também os efeitos psicológicos e políticos. Deixar uma união monetária e voltar a ter uma moeda própria seria uma decisão sem precedentes e é difícil saber o que poderia acontecer se ela fosse tomada", diz Ricupero.

Para Ricupero, o problema para o Brasil é que, hoje o país está em uma situação tão crítica "que qualquer coisa que piore o desempenho da economia mundial certamente é ruim para o país".

"Poderíamos ter de pagar juros mais altos no mercado com um aumento da aversão dos investidores a risco. Além disso, a Europa é um grande parceiro comercial do Brasil e as exportações para a região poderiam sofrer."

Crise na Grécia pode levar deterioração do cenário externo, o que afetaria Brasil, diz Ricupero
Para Lozardo, da FGV, o único efeito positivo de uma lenta recuperação europeia para o Brasil é de médio e longo prazo.

"Com um cenário ainda turvo em seus países, os investidores de longo prazo europeus, ou seja, aqueles que investem na economia real, acabam procurando oportunidades em mercados emergentes como o nosso", diz ele.

Já Neves acredita que a grande esperança do Brasil de conseguir no exterior algum impulso para a recuperação de sua economia vem dos Estados Unidos, que está se recuperando em um ritmo mais acelerado que a Europa.

"A presidente Dilma Rousseff poderia aproveitar a visita ao país (no fim do mês) para começar a costurar um acordo que ajudasse a trazer mais investidores ao Brasil", diz ele.
"Como mostra a questão da crise grega, a Europa, no momento, ainda é uma interrogação."


http://www.bbc.com/portuguese/noticias/

3 comentários:

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