terça-feira, 30 de julho de 2019
Presidente da OAB irá ao STF após Bolsonaro dizer que pode contar como seu pai desapareceu
BRASÍLIA (Reuters) - O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, irá ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que o presidente Jair Bolsonaro esclareça declarações dadas mais cedo nesta segunda-feira de que pode contar a Santa Cruz como seu pai desapareceu durante a ditadura militar na década de 1970.
Presidente Jair Bolsonaro 11/07/2019 REUTERS/Adriano Machado
“O presidente da OAB vai interpelar o presidente da República no STF para que o presidente esclareça as informações que diz ter sobre a morte de seu pai, reconhecido como desaparecido. As circunstâncias do seu desaparecimento nunca foram esclarecidas pelo Estado”, afirmou a OAB em nota.
Mais cedo, na saída do Palácio da Alvorada, Bolsonaro afirmou que o pai do presidente da OAB, Fernando Augusto de Santa Cruz, era membro do grupo Ação Popular, classificado pelo presidente da República “sanguinário”, e que poderia contar a ele como o pai desapareceu.
Irritado com a OAB, que tem questionado ações propostas pelo governo, Bolsonaro reclamou que a entidade teria impedido a quebra do sigilo telefônico do advogado de Adélio Bispo, que o atacou com uma faca durante a campanha eleitoral do ano passado. A OAB e a própria Polícia Federal negaram que tenha sido pedida uma liminar pela OAB para impedir o acesso.
“Por que a OAB impediu que a Polícia Federal entrasse no telefone de uma dos caríssimos advogados? Qual a intenção da OAB? Quem é essa OAB? Um dia se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, conto para ele”, disse Bolsonaro.
“Ele não vai querer ouvir a verdade. Conto pra ele. Não é minha versão. É que a minha vivência me fez chegar nas conclusões naquele momento. O pai dele integrou a Ação Popular, o grupo mais sanguinário e violento da guerrilha lá de Pernambuco, e veio desaparecer no Rio de Janeiro”, acrescentou.
Após as declarações do presidente, Santa Cruz as rebateu no Twitter e disse que os comentários de Bolsonaro são “inqualificáveis” e que demonstram “mais uma vez traços de caráter graves em um governante: a crueldade e a falta de empatia”.
“É de se estranhar tal comportamento em um homem que se diz cristão”, disse o presidente da OAB. “Lamentavelmente, temos um presidente que trata a perda de um pai como se fosse assunto corriqueiro —e debocha do assassinato de um jovem aos 26 anos.”
“A respeito da defesa das prerrogativas da advocacia brasileira, nossa principal missão, asseguro que permaneceremos irredutíveis na garantia do sigilo da comunicação entre advogado e cliente. Garantia que é do cidadão, e não do advogado”, disse.
Mais um tarde, em uma transmissão ao vivo em uma rede social enquanto cortava o cabelo, Bolsonaro disse que, a informação que teve à época do desaparecimento do pai do presidente da OAB foi de que Fernando Santa Cruz foi assassinado por outros integrantes da Ação Popular. Bolsonaro tinha 18 anos quando o pai do presidente da OAB desapareceu em fevereiro de 1974.
“De onde eu obtive essa informação? Com quem eu conversava na época, ora bolas. Eu conversava com muita gente”, disse Bolsonaro.
“O pessoal da AP no Rio de Janeiro ficou estupefato. ‘Como pode vir esse cara vir do Recife aqui se encontrar com a gente aqui?’ O contato não seria com ele, seria com a cúpula da Ação Popular no Recife. E eles resolveram sumir com o pai do Santa Cruz. Essa é a informação que eu tive na época.”
As declarações de Bolsonaro vão contra as informações da Comissão Nacional da Verdade, que afirma que Fernando Santa Cruz Oliveira foi visto pela última vez em fevereiro de 1974, quando foi preso no Rio de Janeiro por agentes do DOI-Codi.
Em buscas por ele, a família recebeu diversas negativas de que tivesse sido preso, mas em suas investigações a Comissão encontrou um relatório do Ministério da Aeronáutica da década de 1990 em que se informava ao Ministério da Justiça que ele havia sido preso em 23 de fevereiro de 1974 e era considerado desaparecido desde então. Ele tinha 26 anos.
O pai do presidente da OAB era de fato parte da Ação Popular (AP), de acordo com a Comissão Nacional da Verdade, mas não há indícios de que tenha agido em Pernambuco. Ele morava em São Paulo e passava alguns dias na casa dos pais, no Rio de Janeiro, quando houve a prisão.
Apenas em 2014, com o relatório da Comissão da Verdade, Fernando Oliveira foi considerado oficialmente morto.
A Anistia Internacional criticou as declarações do presidente e cobrou que o país assuma suas responsabilidades com as famílias das vítimas.
“É terrível que o filho de um desaparecido pelo Regime Militar tenha que ouvir do presidente do Brasil, que deveria ser o defensor máximo do respeito e da Justiça no país, declarações tão duras. O Brasil deve assumir sua responsabilidade, e adotar todas as medidas necessárias para que casos como esses sejam levados à Justiça”, disse a diretora-executiva da Anistia Internacional, Jurema Werneck.
Reportagem de Lisandra Paraguassu, em Brasília, e Eduardo Simões, em São Paulo
quinta-feira, 25 de julho de 2019
SOS ABREU E LIMA A Nossa Amiga e Gestora da Escola Professora Isaura de França lança Campanha Solidária para ajudar os desabrigados no município
SOS ABREU E LIMA, Local: Escola Professora Isaura de França, Caetés I, Abreu e Lima
SOS ABREU E LIMA A Nossa Amiga e Gestora da Escola Professora Isaura de França lança Campanha Solidária para ajudar os desabrigados no município
SOS ABREU E LIMA, Local Escola Professora Isaura de França, Caetés I, Abreu e Lima
terça-feira, 23 de julho de 2019
NO IRAQUE, SECA REVELA UM IMPORTANTE PALÁCIO MITANI DE 3.400 ANOS
NO IRAQUE, SECA REVELA UM IMPORTANTE PALÁCIO MITANI DE 3.400 ANOS
Enterrado em um reservatório, o palácio dos hurritas, que dominaram a Síria e o norte da Mesopotâmia, foi revelado pela seca iraquiana
ANDRÉ NOGUEIRA
historia.uol.com.br
Em Kemune, um sítio arqueológico no Curdistão, Iraque, uma descoberta instigou os pesquisadores da região. Um palácio hurrita da época do Império Matani, de 3.400 anos atrás, foi descoberto devido à seca que toma o país nos últimos tempos.
Desde 2010, existem informações que apontam para a existência do Palácio Kemune sob esse reservatório. No entanto, o alto nível da água impossibilitava a investigação do caso. Como a seca reduziu o reservatório drasticamente e a região não sofre mais ameaças do Estado Islâmico, uma equipe de pesquisadores curdos e alemães realizaram as escavações. Assim foi descoberta a estrutura composta de tijolos de barro, com paredes de mais de 1,80 m de espessura.
Quando utilizado, o Paláco Kemune ficava num terraço elevado com vista panorâmica para o Vale do Tigre, a apenas 15 metros da margem do rio. Para tanto, foi construída uma barreira em forma de muro que apoiava a frente ocidental do palácio, estabilizando-o na parede íngreme.
Império Mitani em relação a Egito, Babilônia e Hatti / Crédito: Reprodução
A descoberta é de grande relevância. Isso porque não existem muitas informações sobre os hurritas e o Império Mitani, que governou a Síria e o Norte da Mesopotâmia ente os século 14 e 15 a.C. Para se ter ideia, arqueólogos não conseguiram, até hoje, identificar a capital do império dos hurritas.
Com escavações e fotografias aéreas por drones, os arqueólogos descobriram novidades sobre o novo sítio. Entre elas, é possível citar os grandes tijolos queimados usados na construção de pisos e lajes pelo palácio.
Além disso, foi possível identificar diversos quartos com paredes decoradas e ornamentos rebocados, que compunham murais desenhados em tons brilhantes de vermelho e azul. Também foram encontrados tabletes de argila com escrita cuneiforme, que foram levados à Alemanha para serem traduzidos.
https://aventurasnahistoria.uol.com.br/
Mitani
Mitani
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Localização de Império de Mitani
Reino de Mitani (corresponde atualmente ao chamado Curdistão)
Continente Ásia
Capital Washshukanni
História
• 1600 a.C. Fundação do império pelos hurritas
• Conquista do império pelos egípcios e hititas
• Conquista pelos assírios das terras do império ocupadas pelos egípcios e hititas
• 1150 a.C.Conquista pelos elamitas
Tábua em cuneiforme contendo uma carta do rei Tusserata de Mitani para o faraó Amenófis III, atualmente no Museu Britânico
Mitani (Mi-ta-an-ni em fontes assírias; Hanigalbat, Khanigalbat cuneiforme Ḫa-ni-gal-bat) foi um reino Hurrita no noroeste e nordeste da Mesopotâmia de 1 600 a.C., até o auge de seu poder, no século XV a.C., abrangendo o que é hoje o sudeste da Turquia, o nordeste da Síria, norte do Iraque (o que corresponderia ao chamado Curdistão), estabelecido em torno da capital Washshukanni, possivelmente a atual cidade de Al Hasakah no nordeste da Síria. Nos tempos Neoassírios, o nome era usado como um termo geográfico para a área entre o Rio Khabur e o Eufrates.[1]
Hurritas
Os hurritas foram um povo (mais corretamente, uma denominação linguística de implicações étnicas) que adentrou o Oriente Próximo provavelmente por volta da primeira metade do segundo milênio a.C., instalando-se no noroeste e no nordeste da Mesopotâmia, entre os rios Chabur e Eufrates. Devido à evidência linguística, os especialistas remontam suas origens às regiões montanhosas do alto Eufrates e da atual Turquia oriental, mas não da Península da Anatólia propriamente dita. Com efeito, os hurritas falavam uma língua que não era de matriz semítica nem indo-europeia, mas possivelmente parente de idiomas do Cáucaso, ou então, alternativamente, mais remotamente aparentada com o proto-indo-europeu, mas não era um membro direto dessa família linguística. Documentos antigos revelam a existência de pequenos estados hurritas no norte da Mesopotâmia por volta de 2 200 a.C.[2]
Primórdios
Ver artigo principal: História da Mesopotâmia
Durante o auge do Império Acadiano de Naram-Sin, muitos reinos hurritas primitivos estiveram sob domínio dos acadianos, e assim permaneceram até a queda do Império Acadiano (c. 2 190 a.C.). Os príncipes hurritas mantiveram as tradições e a língua acadianas após a queda do Império e se apresentavam como sucessores do poder de Acad, buscando legitimar seu domínio monárquico. No período que antecede o estabelecimento de um grande reino hurrita, confrontos colocaram os hurritas contra reis da terceira dinastia de Ur. Ao final do século XIX a.C., os hurritas passaram para a órbita de influência do Império de Shamshi-Adad I. Entre os séculos XVIII e XVII a.C. o desenvolvimento dos estados hurritas é virtualmente desconhecido, sobretudo devido à falta de documentação, que se torna bastante mais rara com a destruição de Mari e seus arquivos por Hamurabi nesta época.
Estabelecimento de Mitani
Supõe-se que os estados hurritas independentes do século XIX a.C. se uniram gradualmente nos anos seguintes, conformando-se num Império de grandes dimensões até o século XVI a.C. Nesta época, documentos hititas e egípcios se referem a um grande poder hurrita estabelecido a leste do Eufrates. Os egípcios referem-se a esse reino pelo nome de Mitani, cuja origem etimológica é ainda confusa. Não se sabe se o nome é efetivamente hurrita, mas ele certamente partilha uma origem comum com o nome próprio “Maitta”, que figura nos textos de Nuzi (atual Yorghun Tepe). Os nomes dos primeiros reis hurritas, aliás, são todos derivados do ramo indo-ariano das línguas indo-europeias, o que pode indicar (conforme uma opinião amplamente aceita na academia) a penetração de minorias de guerreiros arianos nas planícies do norte da Mesopotâmia e sua absorção como elite política e dinastia real nos reinos hurritas. O governante hurrita mais antigo de que temos registro foi Shuttarna I.
A expansão do reino de Mitani
Por volta do século XV a.C. o reino de Mitani inicia um processo de expansão, a princípio sobre os territórios que estavam anteriormente sob domínio ou influência dos Hititas. O rei Parrattarna (r. c. 1 500–1 450 a.C.) e seus sucessores avançaram sobre a região entre o Eufrates e o Mediterrâneo, sobretudo as dependências sírias, aproveitando-se da fraqueza do Hatti, dividido por lutas intestinas. Neste período, as fontes egípcias aplicam o termo “hurrita” às regiões que se estendem da Palestina à Síria. Por volta de 1 458 a.C., contudo, Tutemés III do Egito enfrentou príncipes de pequenos estados do Oriente Próximo, aliados de Mitani, num confronto pela supremacia política na região do corredor sírio-palestino, tendo sido vitorioso. No entanto, não conseguiu avançar o suficiente para forçar um confronto direto com os hurritas que, ao final do século quinze, alcançaram o ápice de seu desenvolvimento político sob o reinado de Saushtatar. Este monarca conquistou, por exemplo, a cidade de Assur (capital da Assíria), embora não tenhamos informações adicionais sobre sua conquista. Relatos hurritas contam como Saushtatar carregou ouro e prata saqueados de Assur para a então capital de Mitani, Wasshukkani (até hoje não identificada pelos arqueólogos).[3]
Política externa
Após o confronto com Tutemés III, Mitani deixou de ser visto como reino inimigo pelos egípcios e, com Tutemés IV (r. c. 1401–1391 a.C.), formou uma coalizão com o Egito contra os Hititas na Anatólia. A aliança foi selada com o casamento de uma princesa egípcia com um rei hurrita.
Declínio e queda (c. 1 350 a.C.)
Com a ascensão de Aquenáton (r. 1353–1337 a.C.) ao poder no Egito, contudo, os faraós não mais se interessaram pela expansão dos hititas na Ásia e passaram a centrar suas atenções nos distúrbios político-religiosos internos. Com isso, Mitani se viu isolado num momento em que Hititas e Assírios aumentavam gradualmente seu poder militar, ameaçando seriamente as pretensões imperiais dos hurritas. O rei de Mitani na época, Tusserata, teve sua legitimidade ao trono contestada por grupos internos, o que enfraqueceu a posição hurrita na Síria, logo reconquistada pelos hititas por volta de 1 350 a.C. Por fim, os assírios marcharam por toda a região norte da Mesopotâmia, anexando o que restara do Império de Mitani. Por volta de 1 200 a.C., a língua hurrita havia desaparecido dos registros cuneiformes.[4]
1 532 a.C. — Amósis I, faraó do Egito, continuou a guerra de expulsão dos hicsos, iniciada por seu pai, conseguindo seu objetivo após dez anos de guerra contra Camudi; termina os combates com vitória de Amósis. Ele expulsou os hicsos do Egito, perseguindo-os pela Canaã, Fenícia e Síria onde os hurritas talvez tivessem algum controle ou aliado, até a cidade de Carquemis junto ao rio Eufrates, onde se deteve em choque militar com um povo em marcha: os hurritas do Mitani. Teve início de uma série de conflitos que duraria 132 anos.
1 500 a.C. — inicia-se um longo período de guerras entre o Mitani e o Egito sobre os ricos territórios da Síria, Canaã e Fenícia; durante quase 132 anos ininterruptos os dois povos disputaram palmo a palmo as regiões em litígios — ora um Estado obtinha a supremacia, ora outro.
Morre Telepinu, rei hitita. Após sua morte, pouco se sabe sobre os reis que lhe sucederam nos dois séculos que se seguiram. Por quase 130 anos a história dos hititas se tornou um hiato: foi um período de pouca atividade militar, política e cultural fora das fronteiras naturais da Ásia Menor, somente explicado pela ascensão dos hurritas do Mitani como potência local, entre a Ásia Menor, a Mesopotâmia e o Egito. Sucedendo a uma seqüência de reis fracos da qual Telipinu fora o último, assume o novo rei hitita, Alluwamnas, que inicia um novo período de glória na história dos hititas.
1 459 a.C. — logo após a morte de Hatexepsute, Tutemés III lançou-se em combate pela Ásia para recuperar os territórios perdidos para os mitanitas, em 17 campanhas militares entre esse ano até o ano de 1 439 a.C.; recuperou Canaã de imediato, mas teve de lutar bastante na Síria, onde os mitanitas haviam estabelecido fortes posições; o conflito durou mais de uma geração. Tutemés teve de renunciar aos pontos mais distantes do Eufrates, fixando a fronteira com os mitanitas entre a Síria e Canaã. Lançou-se também em campanhas contra a Núbia, onde estabeleceu a capital provincial em Napata, perto da 4.ª Catarata.
1 423 a.C. — Amenófis II, assume o trono do Egito devido à morte de seu pai. Teve necessidade de afirmar sua autoridade. Seus feitos militares não passaram de demonstração de força para intimidar aqueles que conspiravam contra o seu reinado. Atacou a Síria em poder dos mitanitas, entretanto o resultado foi duvidoso, uma vez que o Egito perdeu terreno na região. O ataque foi uma resposta às constantes incursões das tropas do Mitani em territórios egípcios e uma advertência às outras potências da região — hititas e babilônios que vinham se recuperando de um período de fraqueza.
1 414 a.C. — no nono ano de seu governo, Amenófis recebeu presentes das outras três potências da época: hurritas, hititas e babilônios. Era um sinal de possível acordo diplomático entre os quatro grandes impérios na região. Os hititas e os babilônios vinham se recuperando de um período de relativa fraqueza, enquanto os hurritas estavam no auge de seu poder.
1 410 a.C. — na Mesopotâmia, o sumo-sacerdote da cidade de Assur, na Assíria, faz-se aclamar rei, submetendo-se à vassalagem aos hurritas do Mitani.
1 400 a.C. — os hurritas do Mitani ofereceram a paz ao Egito; de inimigos, tornaram-se aliados, cedendo-lhe os territórios em disputa. Isso porque os hititas começaram a sua expansão através de suas fronteiras ao norte da Mesopotâmia, agora decididos a construir um império na Ásia. Esse acordo evitava guerra em duas frentes, concentrando a luta contra os novos vizinhos com quem disputavam a Anatólia, a Cilícia e a Síria. Provavelmente foi Arnuwandas II quem iniciou esse primeiro ataque fora das fronteiras naturais da Anatólia. Apesar da fraqueza dos reis hititas entre os anos de 1 590 a 1 375 a.C., eles conseguiram preservar os domínios hititas de mudanças fundamentais, embora o império sofresse constante pressão externa dos hurritas do Mitani. Para a sorte da terra de Hatti, os hurritas sofriam concorrência dos egípcios pelo controle da Síria e Fenícia, aliviando a pressão sobre eles, dando-lhes condições de manter-se frente aos mitanitas.
1 396 a.C. — na Mesopotâmia, com a destruição gradativa do poder dos hurritas pelos hititas, o rei de Assur reconquista os territórios assírios aumentando gradativamente o seu poder.
1386 a.C — Eriba-Adad I torna-se rei da Assíria; aliando-se aos hititas na Mesopotâmia contra os hurritas do Mittani, vai ocupando os territórios dos mitanitas à medida que estes são vencidos pelos hititas. É o início do poder da Assíria.
1 370 a.C. — fim do reino do Mitani; os hititas liderados por Shuppiluliumas, dispondo dos mesmos recursos e técnicas militares semelhantes aos hurritas, arrasaram a capital desse reino — a cidade de Nuzi — e, embora a saqueassem, não escravizaram sua população. Numa só batalha todo o reino foi submetido e seus súditos enfileirados nos exércitos hititas. Os hurritas foram tratados como povo federado ao Império dos Hititas, pois ambos pertenciam à mesma etnia. Também era a política de evitar a revolta dos povos submetidos. Seu líder subtraiu do território dos hurritas a Síria e a região da cidade de Carquemis, fundando diversos pequenos reinos, entregando-os a seus filhos. Essa vitória se deveu ao rei hitita Shuppiluliumas e ao novo minério até então desconhecido para eles: o ferro — somente os hititas conheciam a fonte da matéria-prima e a técnica de fundi-lo para a forja adicionando-lhe oxigênio. Com a destruição do Mitani, os hititas ocuparam suas terras entre o rio Tigre e o Orontes, e passam a disputar com o Egito os territórios da Síria-Canaã e Fenícia; os assírios reconquistaram a independência de Nínive e todos os territórios na Mesopotâmia que antes lhes pertenciam, ocupando o norte e o centro da região, fundando o que viria a ser por 747 anos o Império Assírio.
segunda-feira, 22 de julho de 2019
Israel demole casas de palestinos perto de barreira da Cisjordânia
Israel demole casas de palestinos perto de barreira da Cisjordânia
Moradores e organismos internacionais condenaram ação; governo israelense considera construções ilegais
Parte dos edifícios demolidos está dentro da área controlada pela municipalidade de Jerusalém Oriental e parte está do lado de fora da barreira, na Cisjordânia. Algumas construções, contudo, ficam no meio: fora da área de Jerusalém, mas ainda do lado israelense da barreira - 22/07/2019 (Ammar Awad/Reuters)
Forças do exército e da polícia israelense começaram a demolir nesta segunda-feira, 22, dezenas de prédios palestinos em Wadi Hummus, Cisjordânia, nos arredores de Jerusalém.
Segundo organizações pró-Palestina, a área onde os edifícios estão pertence à Área A da Cisjordânia, sob jurisdição exclusiva da Autoridade Nacional Palestina (ANP). Moradores afirmaram terem recebido permissões para construir suas casas da própria ANP.
O governo de Israel, contudo, diz que os apartamentos ficam muito perto da fronteira que separa a cidade de Jerusalém da área controlada pela ANP.
Em junho, após anos de batalha judicial, a Suprema Corte israelense determinou a demolição dos edifícios por considerar que são perigosos por estarem perto da cerca de separação construída por Israel para delimitar a fronteira.
Partes do bairro palestino estão dentro da área controlada pela municipalidade de Jerusalém Oriental e partes estão do lado de fora da barreira, na Cisjordânia. Algumas construções, contudo, ficam no meio: fora da área de Jerusalém, mas ainda do lado israelense da barreira.
Em nota, a União Europeia (UE) condenou a demolição e afirmou que a maioria dos edifícios está localizada em áreas de controle civil palestino.
Nesta segunda, por volta das 4h (horário local, 22h de domingo em Brasília), as forças de segurança israelenses fecharam todos os acessos, entregaram as ordens de despejo às famílias e retiraram os moradores das casas. Segundo testemunhas, a ação gerou enfrentamentos.
Veículos de construção destruíram os telhados de vários prédios, enquanto escavadeiras grandes recolhiam os escombros. De acordo com moradores, os acessos ao local foram fechados porque parte das demolições será feita com explosivos.
“Hoje foram demolidos 12 edifícios. Estes foram construídos ilegalmente sem as permissões requeridas e em uma zona sob uma norma do Comando Central do Exército que proíbe a construção, muito próxima à cerca de segurança”, disse a COGAT, organização militar israelense que administra a ocupação.
Os prédios “foram derrubados de acordo com a sentença do Superior Tribunal de Justiça de 17 de maio de 2019”, acrescentou a COGAT, antes de ressaltar que a corte “decidiu que os edifícios poderiam ser derrubados, já que constituíam um risco perto da cerca de segurança”.
Já o governo palestino assegura que as construções estão localizadas na Área A da Cisjordânia, onde a ANP tem controle e jurisdição exclusiva segundo os Acordos de Paz de Oslo (1993) e as forças israelenses são proibidas de entrar.
Hussein al-Sheikh, chefe do departamento de assuntos civis da ANP, classificou a demolição como um crime e exigiu uma intervenção internacional.
“Têm permissão da Autoridade Nacional Palestina e agora também exige permissão de Israel. Isto vai contra os Acordos de Oslo”, declarou Jader Hamdam, prefeito da vizinha vila palestina de Jad, próxima a Belém.
Segundo as Nações Unidas, 20 pessoas que já moram nos edifícios foram deslocadas. Outros 350 proprietários de apartamentos que estavam em construção ou ainda não ocupados também serão afetados.
Reação europeia
Em nota, a União Europeia (UE) condenou a demolição. “A política de colonização de Israel, incluindo ações tomadas nesse contexto, como transferências forçadas, despejos, demolições e confiscos de casas, é ilegal sob a lei internacional”, afirmou um porta-voz no comunicado.
A UE disse ainda que a continuação da política israelense “mina a viabilidade da solução de dois Estados e a perspectiva de uma paz duradoura”.
“A maioria dos edifícios está localizada na Área A e B da Cisjordânia, onde, de acordo com os Acordos de Oslo, todas as questões civis estão sob a jurisdição da Autoridade Palestina”, diz a nota.
Gilad Erdan, ministro da Segurança Nacional de Israel, acusou a UE de comprar “as mentiras dos palestinos”. Ele afirmou no Twitter que, sob os acordos de Oslo, Israel tem o direito de agir contra construções ilegais que representam uma ameaça à segurança.
Israel tomou o controle da Cisjordânia durante a Guerra dos Seis Dias em 1967 e posteriormente anexou Jerusalém Oriental ao seu território. A comunidade internacional considera ambas as áreas como territórios ocupados, embora o governo israelense conteste essas afirmações.
Em 1993, os Acordo de Olso determinaram a retirada das forças armadas israelense da Faixa de Gaza e da Cisjordânia, assim como o direito dos palestinos ao autogoverno em zonas delimitadas.
A área A, onde os palestinos alegam que Wadi Hummus está localizado, é controlado totalmente pela ANP, segundo o tratado.
No início dos anos 2000, Israel construiu uma barreira para separar Jerusalém da Cisjordânia. Segundo o governo, a cerca é necessária para impedir que terroristas palestinos entrem em seu território.
Os palestinos, contudo, dizem que a estrutura é uma apropriação ilegal de terras porque invade áreas sob seu controle em alguns pontos.
Wadi Hummus é uma dessas áreas disputadas. Está atrás do bairro de Sur Baher, que fica do lado de dentro da cerca, segundo o jornal The Guardian.
De acordo com documentos judiciais, a barreira foi construída ali pois, durante negociações com os moradores, Israel quis evitar que a vila fosse dividida.
No entanto, os moradores, alegando que é impossível obter licenças de construção israelenses em Jerusalém Oriental, começaram a construir os prédios de apartamentos na área que pertence aos palestinos com a permissão da Autoridade Palestina.
Os prédios demolidos ficavam dos dois lados da barreira. O governo israelense já havia emitido diversas ordens para que a construção fosse interrompida, alegando que os edifícios eram muitos altos e não poderiam estar tão perto da barreira de separação.
Em junho, a Suprema Corte rejeitou o recurso final dos moradores, abrindo caminho para as demolições.
Segundo uma ordem militar de sete anos atrás, não é permitido construir a uma distância de menos de 250 metros da barreira.
A Justiça israelense aprovou a demolição de um total de 18 edifícios, alguns terminados e outros em construção, e de 20 casas ocupadas e que foram construídas com as permissões pertinentes da ANP.
Em 18 de junho, as autoridades israelenses deram um prazo de 30 dias para evacuação e confirmaram que fariam a demolição.
“Eu construí esta casa pedra por pedra. Meu sonho era morar nessa casa. Agora estou perdendo tudo”, disse Tareq al-Wahash, 37 anos, enquanto um trator destruía sua casa inacabada de três andares. “Eu tinha autorização para construir da Autoridade Palestina. Eu pensei que estava fazendo a coisa certa”, disse ele.
Os palestinos temem que a destruição de edifícios próximos da cerca estabeleça um precedente para outras cidades ao longo da rota da barreira construída por Israel.
(Com EFE e Reuters)
domingo, 21 de julho de 2019
Bolsonaro indica que diminuição de multa do FGTS pode ser avaliada à frente
Bolsonaro indica que diminuição de multa do FGTS pode ser avaliada à frente
Reuters Staff
BRASÍLIA (Reuters) - O presidente Jair Bolsonaro afirmou neste domingo que eventual diminuição da multa paga pelo empregador do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) em caso de demissão sem justa causa pode ser estudada pelo governo no futuro.
“Olha, o valor (da multa do FGTS) não está na Constituição, acho que não está. O FGTS está no artigo sétimo da Constituição, acho que valor é uma lei. Tem que pensar lá na frente”, afirmou ele a repórteres.
“Mas antes disso, tenho que ganhar a guerra da informação, eu não quero manchete no jornal amanhã: ‘O presidente está estudando reduzir o valor da multa’. O que eu estou tentando levar para o trabalhador é o seguinte: menos direitos e emprego, ou todos o direitos e desemprego”, acrescentou.
Hoje, a multa paga pelo empregador em caso de demissão sem justa causa é de 40% do FGTS ao trabalhador. Além disso, desde 2001 também é necessário arcar com um adicional de 10% do FGTS para o governo, numa contribuição social criada para compensar perdas inflacionárias do fundo.
Na semana passada, Bolsonaro já havia avaliado que a multa foi concebida para evitar demissões, mas que na realidade estava fazendo os empregadores não contratarem mais.
O presidente reiterou neste domingo que o anúncio sobre as possibilidades de saques do FGTS será feito na quarta-feira, investida bolada pelo governo para dar algum ímpeto ao crescimento econômico. Em suas contas oficiais, a equipe econômica já espera que o Brasil cresça apenas 0,81% este ano, ante patamar de 1,6% visto antes.
Bolsonaro classificou a medida como um “paliativo”, mas destacou que trata-se de uma “vitamina” que o país tem que tomar agora, já que o ano está acabando.
INPE
Após ter acusado o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que faz o levantamento de dados sobre desmatamento no país, de ter divulgado números “mentirosos”, Bolsonaro disse neste domingo que ficou preocupado com os números e que achou que poderiam “não estar condizentes com a verdade”.
Ele pontuou, contudo, que quem vai conversar com o diretor do Inpe, Ricardo Magnus Osório Galvão, a respeito será o ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Marcos Pontes, e “talvez” o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
“O que nós não queremos é uma propaganda negativa do Brasil, não é fugir da verdade”, disse Bolsonaro.
Dados divulgados pelo Inpe mostraram que o desmatamento na Amazônia disparou na primeira metade de julho e superou toda a taxa registrada no mesmo mês no ano passado. Os dados preliminares dos satélites mostram o desmatamento de mais de mil quilômetros quadrados de floresta, 68% a mais do que no mês de julho de 2018.
Por Marcela Ayres
Reuters Staff
BRASÍLIA (Reuters) - O presidente Jair Bolsonaro afirmou neste domingo que eventual diminuição da multa paga pelo empregador do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) em caso de demissão sem justa causa pode ser estudada pelo governo no futuro.
“Olha, o valor (da multa do FGTS) não está na Constituição, acho que não está. O FGTS está no artigo sétimo da Constituição, acho que valor é uma lei. Tem que pensar lá na frente”, afirmou ele a repórteres.
“Mas antes disso, tenho que ganhar a guerra da informação, eu não quero manchete no jornal amanhã: ‘O presidente está estudando reduzir o valor da multa’. O que eu estou tentando levar para o trabalhador é o seguinte: menos direitos e emprego, ou todos o direitos e desemprego”, acrescentou.
Hoje, a multa paga pelo empregador em caso de demissão sem justa causa é de 40% do FGTS ao trabalhador. Além disso, desde 2001 também é necessário arcar com um adicional de 10% do FGTS para o governo, numa contribuição social criada para compensar perdas inflacionárias do fundo.
Na semana passada, Bolsonaro já havia avaliado que a multa foi concebida para evitar demissões, mas que na realidade estava fazendo os empregadores não contratarem mais.
O presidente reiterou neste domingo que o anúncio sobre as possibilidades de saques do FGTS será feito na quarta-feira, investida bolada pelo governo para dar algum ímpeto ao crescimento econômico. Em suas contas oficiais, a equipe econômica já espera que o Brasil cresça apenas 0,81% este ano, ante patamar de 1,6% visto antes.
Bolsonaro classificou a medida como um “paliativo”, mas destacou que trata-se de uma “vitamina” que o país tem que tomar agora, já que o ano está acabando.
INPE
Após ter acusado o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que faz o levantamento de dados sobre desmatamento no país, de ter divulgado números “mentirosos”, Bolsonaro disse neste domingo que ficou preocupado com os números e que achou que poderiam “não estar condizentes com a verdade”.
Ele pontuou, contudo, que quem vai conversar com o diretor do Inpe, Ricardo Magnus Osório Galvão, a respeito será o ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Marcos Pontes, e “talvez” o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
“O que nós não queremos é uma propaganda negativa do Brasil, não é fugir da verdade”, disse Bolsonaro.
Dados divulgados pelo Inpe mostraram que o desmatamento na Amazônia disparou na primeira metade de julho e superou toda a taxa registrada no mesmo mês no ano passado. Os dados preliminares dos satélites mostram o desmatamento de mais de mil quilômetros quadrados de floresta, 68% a mais do que no mês de julho de 2018.
Por Marcela Ayres
Reino Unido pesa resposta à crise do Golfo com Irã com poucas boas opções
Reino Unido pesa resposta à crise do Golfo com Irã com poucas boas opções
Por Parisa Hafezi e Peter Graff
DUBAI/LONDRES (Reuters) - O Reino Unido estava avaliando neste dominigo seus próximos movimentos na crise envolvendo um petroleiro no Golfo, com poucas boas opções aparecendo na mesa após gravações terem mostrado que as Forças Armadas iranianas desafiaram um navio de guerra britânico quando apreenderam um navio dias atrás.
Poucos indícios foram dados pelo Reino Unido sobre como o país pretende reagir depois que a Guarda Revolucionária iraniana desceu de rapel de helicópteros e tomou o Stena Impero no Estreito de Ormuz, na sexta-feira, em aparente retaliação à captura britânica de um petroleiro iraniano duas semanas antes.
O governo britânico deve anunciar seus próximos passos em um discurso ao Parlamento na segunda-feira. Mas especialistas na região dizem que há poucos passos óbvios que Londres pode adotar em um momento em que os Estados Unidos já impuseram o máximo possível de sanções econômicas, proibindo todas as exportações de petróleo do Irã em todo o mundo.
“Não vejo neste momento que podemos oferecer uma concessão que possa resolver a crise. Fornecer segurança e escoltar futuros navios é uma questão diferente”, disse Tim Ripley, um especialista britânico em defesa que escreve sobre o Golfo para o Jane’s Defence Weekly.
Um dia depois de chamar a ação iraniana de “ato hostil”, altos funcionários britânicos mantiveram-se relativamente quietos neste domingo, deixando claro que eles ainda não haviam decidido responder.
“Vamos analisar uma série de opções”, disse o ministro da Defesa, Tobias Ellwood, à Sky News. “Estaremos falando com nossos colegas, nossos aliados internacionais, para ver o que realmente pode ser feito.”
“Nossa primeira e mais importante responsabilidade é garantir que tenhamos uma solução para a questão do navio atual, certificando-nos que outros navios de bandeira britânica estejam seguros para operar nessas águas e, em seguida, olhar a figura mais ampla”, acrescentou.
A captura iraniana do navio no trecho mais importante do comércio global de petróleo foi a mais recente escalada em três meses de confronto em espiral com o Ocidente, que começou quando novas sanções mais rigorosas dos EUA entraram em vigor no início de maio.
Washington impôs as sanções depois que o presidente Donald Trump desistiu de um acordo assinado por seu antecessor, Barack Obama, que forneceu ao Irã acesso ao comércio mundial em troca de restrições em seu programa nuclear.
Países europeus, incluindo o Reino Unido, foram apanhados no meio. Eles discordaram da decisão dos EUA de renunciar ao acordo nuclear, mas até agora não ofereceram ao Irã outra maneira de receber os prometidos benefícios econômicos do acordo.
O Reino Unido foi empurrado mais diretamente para o confronto em 4 de julho, quando fuzileiros navais britânicos capturaram um petroleiro iraniano na costa de Gibraltar. O Reino Unido acusou o petroleiro de violar sanções à Síria, levando a repetidas ameaças iranianas de retaliação.
Por Parisa Hafezi e Peter Graff
DUBAI/LONDRES (Reuters) - O Reino Unido estava avaliando neste dominigo seus próximos movimentos na crise envolvendo um petroleiro no Golfo, com poucas boas opções aparecendo na mesa após gravações terem mostrado que as Forças Armadas iranianas desafiaram um navio de guerra britânico quando apreenderam um navio dias atrás.
Poucos indícios foram dados pelo Reino Unido sobre como o país pretende reagir depois que a Guarda Revolucionária iraniana desceu de rapel de helicópteros e tomou o Stena Impero no Estreito de Ormuz, na sexta-feira, em aparente retaliação à captura britânica de um petroleiro iraniano duas semanas antes.
O governo britânico deve anunciar seus próximos passos em um discurso ao Parlamento na segunda-feira. Mas especialistas na região dizem que há poucos passos óbvios que Londres pode adotar em um momento em que os Estados Unidos já impuseram o máximo possível de sanções econômicas, proibindo todas as exportações de petróleo do Irã em todo o mundo.
“Não vejo neste momento que podemos oferecer uma concessão que possa resolver a crise. Fornecer segurança e escoltar futuros navios é uma questão diferente”, disse Tim Ripley, um especialista britânico em defesa que escreve sobre o Golfo para o Jane’s Defence Weekly.
Um dia depois de chamar a ação iraniana de “ato hostil”, altos funcionários britânicos mantiveram-se relativamente quietos neste domingo, deixando claro que eles ainda não haviam decidido responder.
“Vamos analisar uma série de opções”, disse o ministro da Defesa, Tobias Ellwood, à Sky News. “Estaremos falando com nossos colegas, nossos aliados internacionais, para ver o que realmente pode ser feito.”
“Nossa primeira e mais importante responsabilidade é garantir que tenhamos uma solução para a questão do navio atual, certificando-nos que outros navios de bandeira britânica estejam seguros para operar nessas águas e, em seguida, olhar a figura mais ampla”, acrescentou.
A captura iraniana do navio no trecho mais importante do comércio global de petróleo foi a mais recente escalada em três meses de confronto em espiral com o Ocidente, que começou quando novas sanções mais rigorosas dos EUA entraram em vigor no início de maio.
Washington impôs as sanções depois que o presidente Donald Trump desistiu de um acordo assinado por seu antecessor, Barack Obama, que forneceu ao Irã acesso ao comércio mundial em troca de restrições em seu programa nuclear.
Países europeus, incluindo o Reino Unido, foram apanhados no meio. Eles discordaram da decisão dos EUA de renunciar ao acordo nuclear, mas até agora não ofereceram ao Irã outra maneira de receber os prometidos benefícios econômicos do acordo.
O Reino Unido foi empurrado mais diretamente para o confronto em 4 de julho, quando fuzileiros navais britânicos capturaram um petroleiro iraniano na costa de Gibraltar. O Reino Unido acusou o petroleiro de violar sanções à Síria, levando a repetidas ameaças iranianas de retaliação.
sexta-feira, 19 de julho de 2019
EXCLUSIVO-Teor de proteína de soja no Brasil cai, coloca vendas à China em risco
EXCLUSIVO-Teor de proteína de soja no Brasil cai, coloca vendas à China em risco
Por Ana Mano
SÃO PAULO (Reuters) - O teor de proteína na soja brasileira caiu pela primeira vez em quatro safras em 2018, de acordo com dados preliminares do governo, uma situação que já custou às empresas brasileiras negócios com o maior comprador, a China.
O declínio dos níveis de proteína da soja do Brasil, maior exportador do mundo, causa problemas para exportadores, que enfrentam a possibilidade de cancelamentos, venda de grãos com desconto ou contratos mais rigorosos, que exigem garantias de qualidade para compradores que querem assegurar um produto rico em nutrientes.
O teor de proteína na safra de soja do Brasil de 2018 caiu para uma média de 36,83% —de 37,14% no ciclo anterior—, de acordo com resultados preliminares apurados pela Embrapa, disse à Reuters o pesquisador Marcelo de Oliveira. Em um comunicado, a Embrapa afirmou que as variações anuais do teor de proteína da soja não são estatisticamente significativas e indicam uma estabilidade nas porcentagens deste componente do grão.
Os dados serão ajustados até setembro, quando o relatório final da pesquisa de qualidade será publicado, disse ele.
Cesar Borges, membro do conselho da Caramuru Alimentos, disse em entrevista que a empresa recusou a exigência de um potencial importador chinês, nesta semana, por não ter condições de garantir níveis mínimos de proteína na soja em grão.
A China, que importa a soja para transformá-la em ração animal, compra cada vez mais o produto do Brasil, especialmente após a imposição de tarifas retaliatórias ao grão norte-americano em resposta à taxação de produtos chineses por Washington.
Mais recentemente, a demanda da China arrefeceu por causa da peste suína africana, que obrigou o país a sacrificar milhões de animais de seu plantel de suínos. Isto significa que eles podem ser mais seletivos em suas compras.
A China também importa soja da Argentina, o terceiro maior vendedor da oleaginosa, mas em quantidades menores.
Camilo Motter, um corretor de grãos no Paraná, confirmou que a queda do teor proteico da soja brasileira e a competição argentina podem afetar os prêmios do produto local, que é pago no portos.
Antônio Pípolo, outro pesquisador da Embrapa, disse que os produtores no Brasil estão mais focados no rendimento da lavoura do que nas teores de óleo ou proteína do grão, já que os últimos não afetam o preço pago a eles por exportadores e processadores.
Os níveis de proteína caem à medida que o rendimento aumenta, ele diz.
Nos Estados Unidos, a porcentagem de proteína dos grãos também diminuiu, com produtores buscando produtividades mais altas. Isto ajudou o Brasil, onde o clima é mais quente e os níveis de proteína tendem a ser mais altos, a ultrapassar os americanos como os maiores exportadores de soja do mundo na última década.
A China compra aproximadamente 80% da soja em grão do Brasil.
Se os números da Embrapa se confirmarem, o teor de proteína de soja do Brasil ainda terá sido mais alto do que nos Estados Unidos no ano passado, onde a média estava 34,2%, de acordo com dados qualitativos compilados pela indústria.
“Todos os processadores estão sofrendo”, disse Alessandro Reis, principal executivo de operações da empresa CJ Selecta.
Ele disse à Reuters que a queda dos níveis de proteína da soja brasileira leva a um aumento da necessidade de descascar o grão, diminuindo o peso do mesmo e assim o rendimento do farelo.
A separação da casca, que é rica em fibras, ajuda a aumentar o teor da proteína do farelo, que por contrato deve estar entre 46% e 48%, dependendo do tipo a ser vendido. É possível vender a casca propriamente dita, mas ela vale muito menos no mercado, disse Reis.
“Eu acho que não vamos deixar de entregar nada para a China. Mas se os chineses insistirem na proteína de soja na casa de 35-36%, vender para eles será um problema para nós sim”, disse Reis.
Questionamentos chineses relacionados ao teor de proteína da soja do Brasil levaram a Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec) a discutir internamente eventuais mudanças no contrato padrão de exportação, disse Lucas de Brito, um executivo da entidade. O contrato estabelece alguns parâmetros de qualidade, incluindo concentração de óleo e umidade máxima permitida.
O chamado contrato Anec 41 não estipula a porcentagem de proteína do grão que o Brasil vende lá fora, mas os exportadores têm a prerrogativa de definir padrões de qualidade em negociações privadas com seus clientes.
Por Ana Mano
SÃO PAULO (Reuters) - O teor de proteína na soja brasileira caiu pela primeira vez em quatro safras em 2018, de acordo com dados preliminares do governo, uma situação que já custou às empresas brasileiras negócios com o maior comprador, a China.
O declínio dos níveis de proteína da soja do Brasil, maior exportador do mundo, causa problemas para exportadores, que enfrentam a possibilidade de cancelamentos, venda de grãos com desconto ou contratos mais rigorosos, que exigem garantias de qualidade para compradores que querem assegurar um produto rico em nutrientes.
O teor de proteína na safra de soja do Brasil de 2018 caiu para uma média de 36,83% —de 37,14% no ciclo anterior—, de acordo com resultados preliminares apurados pela Embrapa, disse à Reuters o pesquisador Marcelo de Oliveira. Em um comunicado, a Embrapa afirmou que as variações anuais do teor de proteína da soja não são estatisticamente significativas e indicam uma estabilidade nas porcentagens deste componente do grão.
Os dados serão ajustados até setembro, quando o relatório final da pesquisa de qualidade será publicado, disse ele.
Cesar Borges, membro do conselho da Caramuru Alimentos, disse em entrevista que a empresa recusou a exigência de um potencial importador chinês, nesta semana, por não ter condições de garantir níveis mínimos de proteína na soja em grão.
A China, que importa a soja para transformá-la em ração animal, compra cada vez mais o produto do Brasil, especialmente após a imposição de tarifas retaliatórias ao grão norte-americano em resposta à taxação de produtos chineses por Washington.
Mais recentemente, a demanda da China arrefeceu por causa da peste suína africana, que obrigou o país a sacrificar milhões de animais de seu plantel de suínos. Isto significa que eles podem ser mais seletivos em suas compras.
A China também importa soja da Argentina, o terceiro maior vendedor da oleaginosa, mas em quantidades menores.
Camilo Motter, um corretor de grãos no Paraná, confirmou que a queda do teor proteico da soja brasileira e a competição argentina podem afetar os prêmios do produto local, que é pago no portos.
Antônio Pípolo, outro pesquisador da Embrapa, disse que os produtores no Brasil estão mais focados no rendimento da lavoura do que nas teores de óleo ou proteína do grão, já que os últimos não afetam o preço pago a eles por exportadores e processadores.
Os níveis de proteína caem à medida que o rendimento aumenta, ele diz.
Nos Estados Unidos, a porcentagem de proteína dos grãos também diminuiu, com produtores buscando produtividades mais altas. Isto ajudou o Brasil, onde o clima é mais quente e os níveis de proteína tendem a ser mais altos, a ultrapassar os americanos como os maiores exportadores de soja do mundo na última década.
A China compra aproximadamente 80% da soja em grão do Brasil.
Se os números da Embrapa se confirmarem, o teor de proteína de soja do Brasil ainda terá sido mais alto do que nos Estados Unidos no ano passado, onde a média estava 34,2%, de acordo com dados qualitativos compilados pela indústria.
“Todos os processadores estão sofrendo”, disse Alessandro Reis, principal executivo de operações da empresa CJ Selecta.
Ele disse à Reuters que a queda dos níveis de proteína da soja brasileira leva a um aumento da necessidade de descascar o grão, diminuindo o peso do mesmo e assim o rendimento do farelo.
A separação da casca, que é rica em fibras, ajuda a aumentar o teor da proteína do farelo, que por contrato deve estar entre 46% e 48%, dependendo do tipo a ser vendido. É possível vender a casca propriamente dita, mas ela vale muito menos no mercado, disse Reis.
“Eu acho que não vamos deixar de entregar nada para a China. Mas se os chineses insistirem na proteína de soja na casa de 35-36%, vender para eles será um problema para nós sim”, disse Reis.
Questionamentos chineses relacionados ao teor de proteína da soja do Brasil levaram a Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec) a discutir internamente eventuais mudanças no contrato padrão de exportação, disse Lucas de Brito, um executivo da entidade. O contrato estabelece alguns parâmetros de qualidade, incluindo concentração de óleo e umidade máxima permitida.
O chamado contrato Anec 41 não estipula a porcentagem de proteína do grão que o Brasil vende lá fora, mas os exportadores têm a prerrogativa de definir padrões de qualidade em negociações privadas com seus clientes.
quinta-feira, 18 de julho de 2019
Há 50 anos, o homem pisava na Lua: o que mudou na corrida espacial desde 1969
Buzz Aldrin na Lua é o título da famosa foto tirada por Neil Armstrong em 20 de julho de 1969, quando o homem chegou lá
Há 50 anos, o homem pisava na Lua: o que mudou na corrida espacial desde 1969
Conquista completa meio século em julho e já começa a inspirar reflexões e homenagens, sobretudo nos EUA, ressaltando o interesse recorrente pelo espaço sideral
Quando tinha oito anos, Luiz Augusto da Silva assistiu, admirado, ao primeiro homem pisar na Lua. Era uma transmissão em preto e branco – em 1969, os aparelhos de televisão em cores eram raros no Brasil –, a imagem era de péssima qualidade, mas lá estava o astronauta norte-americano Neil Armstrong, saindo do módulo lunar Eagle ("águia", em inglês), naquele dia 20 de julho que ficará para sempre marcado na história da humanidade.
Asteroides e Marte: os novos desafios no espaço, 50 anos após a chegada à LuaAsteroides e Marte: os novos desafios no espaço, 50 anos após a chegada à Lua
Confira imagens históricas da Apollo 11, missão que levou o homem à LuaConfira imagens históricas da Apollo 11, missão que levou o homem à Lua
Depois de Armstrong, Buzz Aldrin também desceu, enquanto o bem menos lembrado - mas não menos importante – Michael Collins orbitava o satélite natural da Terra à espera dos dois. "A Águia pousou", havia alertado o comandante da missão, algumas horas antes: foram seis horas e 38 minutos entre a chegada na Lua e o primeiro toque humano na superfície de um novo corpo celeste. Aquela seria apenas uma das várias frases emblemáticas proferidas pelos astronautas na ocasião. Por duas horas e 30 minutos, Armstrong e Aldrin exploraram o local, coletando amostras e tirando fotos.
— Aquilo deixou todo mundo impressionado. Fiquei sensibilizado de ver. Me marcou muito, e talvez até inconscientemente tenha me levado a optar pela carreira que eu escolhi — relembra Luiz Augusto, que hoje, claro, é astrônomo.
Como ele, mais de meio bilhão de pessoas, conforme a Nasa - a agência espacial norte-americana - viram a transmissão naquele dia. Os três astronautas voltaram à Terra sãos e salvos, e dois deles continuam vivos. Armstrong morreu em 2012, aos 82 anos.
É lamentável que essas viagens tenham cessado. O interesse científico permanece, mas não há mais o mesmo interesse político.
LUIZ AUGUSTO DA SILVA
professor de Física e Astronomia na UFRGS
Aldrin e Collins são atualmente alguns dos nomes mais proeminentes no incentivo para que a humanidade retome esse tipo de exploração espacial. Desde aquele dia marcante, outras cinco expedições, todas dos EUA, cumpriram o mesmo feito. A última foi em 1972. Há 50 anos, portanto, um astronauta pisava na Lua. Já faz 47 anos, porém, que nenhum outro volta para lá.
— É lamentável que essas viagens tenham cessado. Cientistas vêm afirmando que a Lua ainda tem muitos segredos que a gente não conhece. O interesse científico permanece, mas não há mais o mesmo interesse político — avalia Luiz Augusto, professor de Física e Astronomia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Não que a humanidade tenha interrompido seus progressos no espaço. Descobriu-se, de lá para cá, que existe água na Lua e em Marte, que há uma série de exoplanetas potencialmente habitáveis por aí, que Plutão não é exatamente um planeta. Que uma sonda criada por humanos pode cruzar os limites do Sistema Solar (a Voyager 1 e a Voyager 2, lançadas em 1977, entraram no espaço interestelar), sabe-se lá para chegar até onde. E que a união de diversos países consegue erguer e manter ativa uma Estação Espacial Internacional.
Depois de uma década marcada por tantos feitos espaciais quanto a de 1960, essa lista, ainda que deixe de lado inúmeros avanços, parece surpreendentemente curta. Antes de pisar na Lua, a humanidade viu o primeiro homem chegar ao espaço (o soviético Yuri Gagarin, em 1961), a primeira mulher a realizar o mesmo feito (a russa Valentina Tereshkova, em 1963) e a primeira caminhada espacial (do cosmonauta Alexei Leonov, em 1965) - tudo em um curto período de tempo e em meio a muitos testes para avaliar a possibilidade de uma viagem ao satélite ser bem-sucedida.
— Agora, a percepção que tenho é de que as coisas andam mais devagar — comenta o astrônomo gaúcho, que coordenador do Núcleo de Astromídia da Rede Omega Centauri para o Aprimoramento da Educação Científica.
Mas a mobilização de agências espaciais parece indicar que essa desaceleração não há de continuar por muito tempo. Sem a disputa da Guerra Fria, mais países estão se unindo à retomada do interesse pela exploração espacial com humanos. E ninguém esconde que Marte deve ser o próximo grande marco.
Para marcar os 50 anos da chegada do homem à Lua, evento Nasa Science Says trouxe cientistas ligados à agência espacial norte-americana e levou pessoas de todas as idades ao shopping Iguatemi, em Porto Alegre
De volta à Lua?
Muitas teorias da conspiração foram criadas para apoiar a ideia de que o homem nunca realmente pisou na Lua, e que as imagens difundidas a partir do Programa Apollo não foram mais do que montagens feitas em estúdios de televisão. Depois que isso foi "descoberto", dizem, as viagens deixaram de ser realizadas. A verdade, porém, não tem a ver com qualquer encenação.
China faz primeiro pouso da história na face oculta da LuaChina faz primeiro pouso da história na face oculta da Lua
Você acredita que o homem realmente pisou na Lua?Você acredita que o homem realmente pisou na Lua?
Há 60 anos, satélite soviético tornava-se o primeiro objeto espacial a escapar da gravidade terrestreHá 60 anos, satélite soviético tornava-se o primeiro objeto espacial a escapar da gravidade terrestre
Passada a competição pela "conquista" do espaço, em que os EUA, depois de largarem atrás da Rússia, acabaram mostrando sua soberania, não havia mais motivação política para manter uma corrida espacial. Com o passar dos anos – e sem razões que levassem a crer na necessidade de ter homens e mulheres, e não robôs, viajando até a Lua seria importante –, pisar no satélite começou a perder o interesse. Argumentava-se, inclusive, que o grandioso e custoso programa que fez a humanidade chegar lá foi marcante, mas pouco produtivo do ponto de vista científico.
Com isso, outros projetos começaram a tomar a frente. Satélites, sondas, a Estação Espacial Internacional, a descoberta de outros planetas, a busca por vida fora da Terra passaram a ser questões mais valorizadas não só pela Nasa, mas também pelos outros países que, além da Rússia, passaram a angariar relevância na exploração espacial.
"A verdade é que a Nasa nunca deixou de ir à Lua, ainda que os astronautas não tenham estado lá há algum tempo. Missões envolvendo robôs continuem incrementando nosso conhecimento científico sobre a Lua", afirmou, em nota, a agência espacial norte-americana.
"Um pequeno passo para um homem, um salto gigante para a humanidade": assim Armstrong definiu o feito
Mas não foram apenas imagens incríveis, transmissões históricas, frases memoráveis e uma maior noção do alcance da tecnologia humana que o trio de astronautas que primeiro pousou na Lua trouxe consigo no retorno à Terra. O feito também representou uma série de avanços científicos posteriores à missão.
— O Programa Apollo mudou completamente a ideia do que era a Lua. Trouxe uma série de informações a partir do material que foi coletado, analisado em laboratório e comparado. Um dos pontos mais importantes é que, em laboratório, foi possível tratar as rochas (trazidas pela equipe), saber a composição química delas, desde os elementos comuns até aqueles incomuns ou raros na Terra — avalia Enos Picazzio, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (USP).
As contribuições que a exploração espacial deu vão muito além disso – e estão presentes no dia a dia das pessoas, ainda que não se saibam suas origens. Talvez o "travesseiro da Nasa", feito à base de viscoelástico, produto desenvolvido para revestir naves espaciais, seja a faceta mais conhecida dos chamados "spinoffs" – tecnologias feitas para missões espaciais que acabam encontrando uso bem mais abrangente. As áreas são diversas: de saúde a aviação civil, passando por meio ambiente, geração de energia e produtividade industrial, todas contêm elementos desenvolvidos a partir de experiências de pesquisa envolvendo o espaço.
— Quando falamos sobre o interesse pelo espaço, muitos pensam: "É tão caro!". Mas quem está envolvido nessas missões contribui para o desenvolvimento de tecnologias que podem ser usadas no nosso dia a dia. Os cientistas trabalham em projetos de exploração espacial pensando "Ei, sabe o que podemos fazer com isso? Um telefone melhor. Um micro-ondas melhor. Uma iluminação melhor". As luzes LED vieram da Nasa — explica Christensen.
Por meio de iniciativas próprias e do apoio a fundações, o foco das agências espaciais tem sido também atrair as novas gerações. As missões envolvendo a Lua entre as décadas de 1950 e 1970 bastaram para motivar jovens a se interessar pelo espaço naquela época. Mas a falta de avanços tão claros como naquele 20 de julho de 1969, quando se pôde ver um ser humano pisando na Lua, diminuiu essa vontade. Por isso, há um esforço para que os mais novos voltem a olhar para o céu – sabendo que, um dia, também podem chegar lá.
Buzz Aldrin na Lua é o título da famosa foto tirada por Neil Armstrong em 20 de julho de 1969, quando o homem chegou lá
https://gauchazh.clicrbs.com.br/
Há 50 anos, o homem pisava na Lua: o que mudou na corrida espacial desde 1969
Conquista completa meio século em julho e já começa a inspirar reflexões e homenagens, sobretudo nos EUA, ressaltando o interesse recorrente pelo espaço sideral
Quando tinha oito anos, Luiz Augusto da Silva assistiu, admirado, ao primeiro homem pisar na Lua. Era uma transmissão em preto e branco – em 1969, os aparelhos de televisão em cores eram raros no Brasil –, a imagem era de péssima qualidade, mas lá estava o astronauta norte-americano Neil Armstrong, saindo do módulo lunar Eagle ("águia", em inglês), naquele dia 20 de julho que ficará para sempre marcado na história da humanidade.
Asteroides e Marte: os novos desafios no espaço, 50 anos após a chegada à LuaAsteroides e Marte: os novos desafios no espaço, 50 anos após a chegada à Lua
Confira imagens históricas da Apollo 11, missão que levou o homem à LuaConfira imagens históricas da Apollo 11, missão que levou o homem à Lua
Depois de Armstrong, Buzz Aldrin também desceu, enquanto o bem menos lembrado - mas não menos importante – Michael Collins orbitava o satélite natural da Terra à espera dos dois. "A Águia pousou", havia alertado o comandante da missão, algumas horas antes: foram seis horas e 38 minutos entre a chegada na Lua e o primeiro toque humano na superfície de um novo corpo celeste. Aquela seria apenas uma das várias frases emblemáticas proferidas pelos astronautas na ocasião. Por duas horas e 30 minutos, Armstrong e Aldrin exploraram o local, coletando amostras e tirando fotos.
— Aquilo deixou todo mundo impressionado. Fiquei sensibilizado de ver. Me marcou muito, e talvez até inconscientemente tenha me levado a optar pela carreira que eu escolhi — relembra Luiz Augusto, que hoje, claro, é astrônomo.
Como ele, mais de meio bilhão de pessoas, conforme a Nasa - a agência espacial norte-americana - viram a transmissão naquele dia. Os três astronautas voltaram à Terra sãos e salvos, e dois deles continuam vivos. Armstrong morreu em 2012, aos 82 anos.
É lamentável que essas viagens tenham cessado. O interesse científico permanece, mas não há mais o mesmo interesse político.
LUIZ AUGUSTO DA SILVA
professor de Física e Astronomia na UFRGS
Aldrin e Collins são atualmente alguns dos nomes mais proeminentes no incentivo para que a humanidade retome esse tipo de exploração espacial. Desde aquele dia marcante, outras cinco expedições, todas dos EUA, cumpriram o mesmo feito. A última foi em 1972. Há 50 anos, portanto, um astronauta pisava na Lua. Já faz 47 anos, porém, que nenhum outro volta para lá.
— É lamentável que essas viagens tenham cessado. Cientistas vêm afirmando que a Lua ainda tem muitos segredos que a gente não conhece. O interesse científico permanece, mas não há mais o mesmo interesse político — avalia Luiz Augusto, professor de Física e Astronomia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Não que a humanidade tenha interrompido seus progressos no espaço. Descobriu-se, de lá para cá, que existe água na Lua e em Marte, que há uma série de exoplanetas potencialmente habitáveis por aí, que Plutão não é exatamente um planeta. Que uma sonda criada por humanos pode cruzar os limites do Sistema Solar (a Voyager 1 e a Voyager 2, lançadas em 1977, entraram no espaço interestelar), sabe-se lá para chegar até onde. E que a união de diversos países consegue erguer e manter ativa uma Estação Espacial Internacional.
Depois de uma década marcada por tantos feitos espaciais quanto a de 1960, essa lista, ainda que deixe de lado inúmeros avanços, parece surpreendentemente curta. Antes de pisar na Lua, a humanidade viu o primeiro homem chegar ao espaço (o soviético Yuri Gagarin, em 1961), a primeira mulher a realizar o mesmo feito (a russa Valentina Tereshkova, em 1963) e a primeira caminhada espacial (do cosmonauta Alexei Leonov, em 1965) - tudo em um curto período de tempo e em meio a muitos testes para avaliar a possibilidade de uma viagem ao satélite ser bem-sucedida.
— Agora, a percepção que tenho é de que as coisas andam mais devagar — comenta o astrônomo gaúcho, que coordenador do Núcleo de Astromídia da Rede Omega Centauri para o Aprimoramento da Educação Científica.
Mas a mobilização de agências espaciais parece indicar que essa desaceleração não há de continuar por muito tempo. Sem a disputa da Guerra Fria, mais países estão se unindo à retomada do interesse pela exploração espacial com humanos. E ninguém esconde que Marte deve ser o próximo grande marco.
Para marcar os 50 anos da chegada do homem à Lua, evento Nasa Science Says trouxe cientistas ligados à agência espacial norte-americana e levou pessoas de todas as idades ao shopping Iguatemi, em Porto Alegre
De volta à Lua?
Muitas teorias da conspiração foram criadas para apoiar a ideia de que o homem nunca realmente pisou na Lua, e que as imagens difundidas a partir do Programa Apollo não foram mais do que montagens feitas em estúdios de televisão. Depois que isso foi "descoberto", dizem, as viagens deixaram de ser realizadas. A verdade, porém, não tem a ver com qualquer encenação.
China faz primeiro pouso da história na face oculta da LuaChina faz primeiro pouso da história na face oculta da Lua
Você acredita que o homem realmente pisou na Lua?Você acredita que o homem realmente pisou na Lua?
Há 60 anos, satélite soviético tornava-se o primeiro objeto espacial a escapar da gravidade terrestreHá 60 anos, satélite soviético tornava-se o primeiro objeto espacial a escapar da gravidade terrestre
Passada a competição pela "conquista" do espaço, em que os EUA, depois de largarem atrás da Rússia, acabaram mostrando sua soberania, não havia mais motivação política para manter uma corrida espacial. Com o passar dos anos – e sem razões que levassem a crer na necessidade de ter homens e mulheres, e não robôs, viajando até a Lua seria importante –, pisar no satélite começou a perder o interesse. Argumentava-se, inclusive, que o grandioso e custoso programa que fez a humanidade chegar lá foi marcante, mas pouco produtivo do ponto de vista científico.
Com isso, outros projetos começaram a tomar a frente. Satélites, sondas, a Estação Espacial Internacional, a descoberta de outros planetas, a busca por vida fora da Terra passaram a ser questões mais valorizadas não só pela Nasa, mas também pelos outros países que, além da Rússia, passaram a angariar relevância na exploração espacial.
"A verdade é que a Nasa nunca deixou de ir à Lua, ainda que os astronautas não tenham estado lá há algum tempo. Missões envolvendo robôs continuem incrementando nosso conhecimento científico sobre a Lua", afirmou, em nota, a agência espacial norte-americana.
"Um pequeno passo para um homem, um salto gigante para a humanidade": assim Armstrong definiu o feito
Mas não foram apenas imagens incríveis, transmissões históricas, frases memoráveis e uma maior noção do alcance da tecnologia humana que o trio de astronautas que primeiro pousou na Lua trouxe consigo no retorno à Terra. O feito também representou uma série de avanços científicos posteriores à missão.
— O Programa Apollo mudou completamente a ideia do que era a Lua. Trouxe uma série de informações a partir do material que foi coletado, analisado em laboratório e comparado. Um dos pontos mais importantes é que, em laboratório, foi possível tratar as rochas (trazidas pela equipe), saber a composição química delas, desde os elementos comuns até aqueles incomuns ou raros na Terra — avalia Enos Picazzio, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (USP).
As contribuições que a exploração espacial deu vão muito além disso – e estão presentes no dia a dia das pessoas, ainda que não se saibam suas origens. Talvez o "travesseiro da Nasa", feito à base de viscoelástico, produto desenvolvido para revestir naves espaciais, seja a faceta mais conhecida dos chamados "spinoffs" – tecnologias feitas para missões espaciais que acabam encontrando uso bem mais abrangente. As áreas são diversas: de saúde a aviação civil, passando por meio ambiente, geração de energia e produtividade industrial, todas contêm elementos desenvolvidos a partir de experiências de pesquisa envolvendo o espaço.
— Quando falamos sobre o interesse pelo espaço, muitos pensam: "É tão caro!". Mas quem está envolvido nessas missões contribui para o desenvolvimento de tecnologias que podem ser usadas no nosso dia a dia. Os cientistas trabalham em projetos de exploração espacial pensando "Ei, sabe o que podemos fazer com isso? Um telefone melhor. Um micro-ondas melhor. Uma iluminação melhor". As luzes LED vieram da Nasa — explica Christensen.
Por meio de iniciativas próprias e do apoio a fundações, o foco das agências espaciais tem sido também atrair as novas gerações. As missões envolvendo a Lua entre as décadas de 1950 e 1970 bastaram para motivar jovens a se interessar pelo espaço naquela época. Mas a falta de avanços tão claros como naquele 20 de julho de 1969, quando se pôde ver um ser humano pisando na Lua, diminuiu essa vontade. Por isso, há um esforço para que os mais novos voltem a olhar para o céu – sabendo que, um dia, também podem chegar lá.
Buzz Aldrin na Lua é o título da famosa foto tirada por Neil Armstrong em 20 de julho de 1969, quando o homem chegou lá
https://gauchazh.clicrbs.com.br/
quarta-feira, 17 de julho de 2019
COMO GIGANTES DA TECNOLOGIA DOS EUA ESTÃO AJUDANDO A CONSTRUIR A VIGILÂNCIA EM MASSA DA CHINA
COMO GIGANTES DA TECNOLOGIA DOS EUA ESTÃO AJUDANDO A CONSTRUIR A VIGILÂNCIA EM MASSA DA CHINA
Ryan Gallagher
16 de Julho de 2019,
UMA ORGANIZAÇÃO AMERICANA fundada pelos gigantes da tecnologia Google e IBM vem trabalhando com uma empresa que está ajudando o governo autoritário da China a conduzir uma vigilância em massa contra seus cidadãos, é o que revela uma investigação inédita do Intercept.
A OpenPower Foundation – uma organização sem fins lucrativos liderada por executivos do Google e da IBM com o objetivo de tentar “impulsionar a inovação” – estabeleceu uma colaboração entre a IBM, a empresa chinesa Semptian e a fabricante de chips americana Xilinx. Juntas essas empresas trabalharam para promover uma série de microprocessadores que permitem que os computadores analisem grandes quantidades de dados com mais eficiência.
De acordo com fontes e documentos, a Semptian, com sede em Shenzhen, está usando os dispositivos para melhorar os recursos da tecnologia de vigilância e censura da internet fornecida às agências de segurança que abusam dos direitos humanos na China. Um funcionário da empresa disse que essa tecnologia está sendo usada para monitorar secretamente a atividade na internet de 200 milhões de pessoas.
Semptian, Google e Xilinx não responderam aos pedidos de comentários a respeito do assunto. Em comunicado, a OpenPower Foundation informou que “não se envolve nem procura ser informada a respeito de estratégias, objetivos ou atividades individuais de seus membros”, devido às leis antitruste e de concorrência. Um porta-voz da empresa afirmou que a IBM, “não trabalhou com a Semptian no desenvolvimento conjunto de tecnologia”, mas se recusou a responder a outras perguntas. Conforme uma fonte familiarizada com as operações da Semptian, a empresa havia trabalhado com a IBM através de uma plataforma de nuvem colaborativa chamada SuperVessel, que é mantida por uma unidade de pesquisa da IBM na China.
O senador Mark Warner, vice-presidente do Comitê de Inteligência do Senado norte-americano, disse ao Intercept que ficou alarmado com as revelações. “É preocupante ver que a China recrutou com sucesso empresas e pesquisadores ocidentais para ajudar em seus esforços de controle de informações”, disse Warner.
Para Anna Bacciarelli, pesquisadora da Anistia Internacional, a decisão da OpenPower Foundation de trabalhar com a Semptian levanta questões sobre sua adesão aos padrões internacionais de direitos humanos. “Todas as empresas têm a responsabilidade de realizar a devida diligência em direitos humanos em todas as suas operações e cadeias de fornecimento”, disse Bacciarelli, “inclusive por meio de parcerias e colaborações.”
A Semptian se apresenta publicamente como uma empresa de análise de “big data” que trabalha com provedores de internet e institutos educacionais. No entanto, uma parcela substancial dos negócios da empresa chinesa é, na realidade, gerada por meio de uma empresa de fachada chamada iNext, que vende as ferramentas de vigilância e censura da internet para governos.
A iNext opera nos mesmos escritórios na China como Semptian, com ambas as empresas ocupando o oitavo andar de uma torre no movimentado distrito de Nanshan, em Shenzhen. Semptian e iNext também compartilham os mesmos 200 funcionários e o mesmo fundador, Chen Longsen.
Depois de receber dicas de fontes confidenciais sobre o papel da Semptian na vigilância em massa, um repórter contatou a empresa usando um nome falso e fingindo ser um cliente em potencial. Em resposta, um funcionário da Semptian enviou documentos mostrando que a empresa – sob a forma de iNext – desenvolveu um sistema de vigilância em massa chamado Aegis que, segundo ele, pode “armazenar e analisar dados ilimitados”.
Nos documentos, a empresa afirma que o Aegis pode oferecer “uma visão completa do mundo virtual”, permitindo que espiões do governo vejam “as conexões de todo mundo”, incluindo “informações de localização para todos no país”.
Os documentos mostram que o sistema também pode “impedir que certas informações [na] internet sejam visitadas”, censurando conteúdos que o governo não quer que os cidadãos vejam.
As agências de segurança estatais chinesas provavelmente estão usando a tecnologia para atacar ativistas de direitos humanos.
Segundo duas fontes familiarizadas com o trabalho de Semptian, o equipamento do Aegis foi colocado nas redes de telefone e internet chinesas, permitindo que o governo do país colete secretamente registros de e-mail, telefonemas, mensagens de texto, localizações de celulares e históricos de navegação.
As agências de segurança estatais chinesas provavelmente estão usando a tecnologia para atacar ativistas de direitos humanos, defensores pró-democracia e críticos do regime do presidente Xi Jinping, disseram as fontes, que falaram sob condição de anonimato devido ao medo de represálias.
Nos e-mails, um representante da Semptian afirmou que o sistema de vigilância em massa Aegis da empresa estava processando enormes quantidades de dados pessoais em toda a China.
“O Aegis é ilimitado. Estamos lidando com milhares de Tbps [terabits por segundo] na China. São mais de 200 milhões de habitantes”, escreveu Zhu Wenying, um funcionário da Semptian, em uma mensagem em abril.
A estimativa é de que existem 800 milhões de usuários de internet na China. Isso quer dizer que, se o número de Zhu for preciso, a tecnologia da Semptian está monitorando um quarto da população total do país. O volume de dados que a empresa alega estar sendo manipulado por seus sistemas – milhares de terabits por segundo – é impressionante: uma conexão à internet de 1.000 terabits por segundo poderia transferir 3,75 milhões de horas de vídeo de alta definição a cada minuto.
“Não deve haver muitos sistemas no mundo com esse tipo de alcance e acesso”, disse Joss Wright, pesquisador sênior do instituto de internet da Universidade de Oxford. É possível que a Semptian tenha inflado seus números, disse Wright. No entanto, acrescentou, um sistema com a capacidade de acessar grandes quantidades de dados é tecnologicamente viável. “Há dúvidas sobre quanto processamento [de dados das pessoas] ocorre”, disse Wright, “mas, por qualquer definição significativa, trata-se de um vasto esforço de vigilância.”
As duas fontes familiarizadas com o trabalho da Semptian na China disseram que os equipamentos da empresa não extraem e armazenam dados de milhões de pessoas aleatoriamente. Em vez disso, disseram as fontes, o equipamento tem visibilidade nas comunicações à medida que elas passam pelas redes telefônicas e da internet e pode filtrar informações associadas a palavras, frases ou pessoas específicas.
Em resposta à solicitação de um vídeo contendo mais detalhes sobre como funciona o Aegis, Zhu concordou em enviar um, desde que o repórter disfarçado assinasse um acordo de confidencialidade. O Intercept está publicando um pequeno trecho do vídeo de 16 minutos por conta da impressionante importância pública de seu conteúdo, que mostra como milhões de pessoas na China estão sujeitas à vigilância do governo. O Intercept removeu informações que poderiam infringir a privacidade individual.
A demonstração em vídeo da Semptian mostra como o sistema Aegis rastreia os movimentos das pessoas. Se um agente do governo digitar o número do celular de uma pessoa, o Aegis pode mostrar onde o dispositivo esteve em um determinado período de tempo: os últimos três dias, a última semana, o último mês ou mais.
O vídeo exibe um mapa da China continental e amplia para seguir eletronicamente uma pessoa em Shenzhen enquanto ela percorre a cidade, indo de um aeroporto, atravessando parques e jardins, a um centro de conferências, a um hotel e passando pelos escritórios de uma empresa farmacêutica.
A tecnologia também permite que usuários do governo executem pesquisas por nome de mensagem instantânea, endereço de e-mail, conta de mídia social, usuário de fórum, comentarista de blog ou outro identificador, como um código IMSI de celular ou um endereço MAC de computador, uma série exclusiva de números associado a cada dispositivo.
Em muitos casos, parece que o sistema é capaz de coletar todo o conteúdo de uma comunicação, como o áudio gravado de uma chamada telefônica ou o corpo escrito de uma mensagem de texto, não apenas os metadados, que mostram o remetente e o destinatário de um e-mail, ou os números de telefone para o qual alguém ligou e quando. Se o sistema pode acessar o conteúdo completo de uma mensagem, isso provavelmente depende de ela ter sido protegido com criptografia forte.
Zhu, o funcionário da Semptian, escreveu em e-mails que a empresa poderia fornecer aos governos uma instalação do Aegis com capacidade para monitorar a atividade de 5 milhões de pessoas na internet por um custo entre US$ 1,5 milhão e US$ 2,5 milhões. Para espionar outras comunicações, o custo aumentaria.
“Se adicionarmos chamadas telefônicas, mensagens SMS, localidades”, segundo Zhu, “serão adicionados de US$ 2 a US$ 5 milhões, dependendo da rede.”
EM SETEMBRO DE 2015, a Semptian se juntou à OpenPower Foundation, uma organização sem fins lucrativos sediada nos Estados Unidos, fundada pelos gigantes da tecnologia Google e IBM. A atual presidente da fundação é Michelle Rankin, da IBM, e seu diretor é Chris Johnson, do Google.
Registrada em Nova Jersey como uma organização de “melhoria da comunidade”, a fundação afirma que seu objetivo é compartilhar os avanços em tecnologia de redes, servidores, armazenamento de dados e processamento. De acordo com seu site, a fundação quer “permitir que os centros de dados de hoje repensem sua abordagem à tecnologia”, bem como “impulsionar a inovação e oferecer mais opções no setor”.
A Semptian se beneficiou da colaboração com empresas americanas obtendo acesso a conhecimento especializado e novas tecnologias. Em seu site, a empresa chinesa se orgulha de estar “trabalhando ativamente com empresas de classe mundial, como a IBM e a Xilinx”. Também afirma que é a única empresa na região da Ásia-Pacífico que pode fornecer a seus clientes novos dispositivos de processamento de dados desenvolvidos com a ajuda dessas empresas dos EUA.
No ano passado, a OpenPower Foundation declarou em seu site que estava “muito feliz” que a Semptian estivesse trabalhando com a IBM, a Xilinx e outras corporações americanas. A fundação afirmou que também estava “trabalhando com grandes universidades e instituições de pesquisa na China”. Em dezembro, os executivos da OpenPower organizaram uma cúpula em Pequim, no hotel cinco estrelas Sheraton Grand, no distrito de Dongcheng. Representantes da Semptian foram convidados a comparecer e demonstrar aos colegas americanos novas tecnologias de análise de vídeo que vêm desenvolvendo para finalidades que incluem “monitoramento da opinião pública”, disse uma fonte ao Intercept.
“Às vezes parece que existe uma política de ‘não perguntar, não contar’, de lucro acima da ética.”
Não está claro por que os gigantes da tecnologia dos EUA escolheram trabalhar com a Semptian. A decisão pode ter sido tomada como parte de uma estratégia mais ampla para estabelecer laços mais estreitos com a China e obter maior acesso ao lucrativo mercado do país do leste asiático. Um porta-voz da OpenPower Foundation se recusou a responder perguntas sobre o trabalho da organização com a Semptian, dizendo apenas que “a tecnologia disponível através da fundação é de uso geral, está comercialmente disponível em todo o mundo e não exige uma licença de exportação dos EUA”.
Segundo Elsa Kania, pesquisadora sênior adjunta do Centro para uma Nova Segurança Americana, um think tank de política, em alguns casos, parcerias comerciais e colaborações acadêmicas entre empresas americanas e chinesas são importantes e valiosas, “mas quando é uma empresa conhecida por estar tão intimamente ligada a censura ou vigilância e é profundamente cúmplice em abusos dos direitos humanos, é algo muito preocupante”.
“Eu esperava que as empresas americanas tivessem processos rigorosos de análise ética antes de qualquer envolvimento”, disse Kania. “Mas às vezes parece que existe uma política de ‘não perguntar, não contar’, de lucro acima da ética.”
A Semptian, que foi fundada em 2003, tem sido uma parceira de confiança do governo da China há anos. O regime concedeu à empresa o status de “Empresa Nacional de Alta Tecnologia”, o que significa que ela passou por várias análises e auditorias conduzidas pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. As empresas que recebem esse status especial são recompensadas com tratamento preferencial do governo na forma de isenções fiscais e outros tipos de apoio.
Em 2011, a revista alemã Der Spiegel publicou um artigo destacando a estreita relação da Semptian com o estado chinês. A empresa ajudou a estabelecer aspectos do chamado Grande Firewall, um sistema de censura na internet que bloqueia sites que o Partido Comunista considera indesejáveis, como aqueles sobre direitos humanos e democracia. “A tecnologia de controle de rede da Semptian está em uso em algumas das principais cidades chinesas”, informou a Spiegel na época.
Em 2013, a Semptian começou a promover seus produtos em todo o mundo. Os representantes da empresa viajaram para a Europa, onde apareceram em uma feira de segurança realizada em uma sala de conferências no nordeste de Paris. Documentos mostram que, naquele evento, a Semptian ofereceu a funcionários de governos internacionais a chance de copiar o modelo de internet chinês comprando um “Firewall Nacional”, que a empresa disse ser capaz de “bloquear informações indesejáveis da internet”.
Apenas dois anos depois, foi aprovada a participação da Semptian na OpenPower Foundation, e a empresa começou a usar a tecnologia americana para tornar seus sistemas de vigilância e censura mais poderosos.
Tradução: Cássia Zanon
THEINTERCEPT_BRASIL
https://theintercept.com/2019/07/16/vigilancia-em-massa-da-china/
Bolsonaro prevê liberação de recursos do FGTS, equipe econômica propõe alternativas
Bolsonaro prevê liberação de recursos do FGTS, equipe econômica propõe alternativas
Por Marcela Ayres
BRASÍLIA (Reuters) - O presidente Jair Bolsonaro confirmou nesta quarta-feira, na Argentina, que o governo vai anunciar esta semana a liberação de recursos de contas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para os trabalhadores e procurou mostrar otimismo sobre a recuperação da economia brasileira.
“Está previsto para essa semana isso aí”, disse Bolsonaro a jornalistas sobre a liberação de recursos do Fundo.
“É uma injeção, uma pequena injeção na economia, né? E é bem-vindo isso aí porque começa a economia, segundo especialistas, aí, a dar sinal de recuperação pelos sinais positivos, em especial, também, que estão vindo do Parlamento”, acrescentou, numa referência a recentes indicadores e à aprovação em primeiro turno da reforma da Previdência pela Câmara dos Deputados.
Segundo fonte ouvida pela Reuters, a equipe econômica enviará nesta quarta-feira dois projetos para Bolsonaro bater o martelo sobre o tema. Um deles contempla a liberação de contas ativas e inativas do FGTS, com saques escalonados na data de aniversário dos trabalhadores.
O outro projeto envolve apenas as contas inativas, ligadas a vínculos empregatícios já encerrados.
No primeiro caso, as estimativas da equipe econômica apontavam uma liberação mais próxima de 30 bilhões de reais com os saques, em contraposição ao patamar de 42 bilhões de reais apontado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, em entrevista ao jornal Valor Econômico desta quarta-feira.
A cifra mais modesta deve-se, de acordo com a fonte, a cálculos que foram atualizados para não colocar em risco o funding da habitação. O FGTS responde por quase metade dos recursos direcionados para a compra de moradia via crédito imobiliário.
Uma segunda fonte com conhecimento do assunto disse à Reuters que a operacionalização dos saques ainda não tinha sido formalmente discutida pelo governo.
Oficialmente, o Ministério da Economia se limitou a dizer que, por enquanto, “não há previsão de anúncio oficial de medidas” sobre o assunto.
Em 2017, o governo do ex-presidente Michel Temer abriu uma janela para que as contas do FGTS fossem liberadas, mas apenas as inativas. Com isso, foram sacados 44 bilhões de reais, numa investida considerada fundamental para aquecer a economia naquele ano.
Em nota desta quarta-feira, o vice-presidente de Habitação Popular do SinduCon-SP, Ronaldo Cury, afirmou que a liberação de depósitos do FGTS para fomentar o consumo poderá colocar em risco a sustentabilidade do fundo no longo prazo.
De acordo com a entidade, o fluxo de caixa do FGTS previsto para 2019 indica uma disponibilidade de 112,145 bilhões de reais e saldo em dezembro de 94,004 bilhões de reais, dos quais 31,634 bilhões referentes à reserva legal para cobertura de saques.
“Já aumentou o volume de saques diminuindo sistematicamente assim o valor do saldo total. O alerta foi dado, e provavelmente devemos encarar uma sucessão de revisões para baixo dos orçamentos futuros como forma de honrar compromissos assumidos e manter o FGTS”, disse Cury.
Por Marcela Ayres
BRASÍLIA (Reuters) - O presidente Jair Bolsonaro confirmou nesta quarta-feira, na Argentina, que o governo vai anunciar esta semana a liberação de recursos de contas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para os trabalhadores e procurou mostrar otimismo sobre a recuperação da economia brasileira.
“Está previsto para essa semana isso aí”, disse Bolsonaro a jornalistas sobre a liberação de recursos do Fundo.
“É uma injeção, uma pequena injeção na economia, né? E é bem-vindo isso aí porque começa a economia, segundo especialistas, aí, a dar sinal de recuperação pelos sinais positivos, em especial, também, que estão vindo do Parlamento”, acrescentou, numa referência a recentes indicadores e à aprovação em primeiro turno da reforma da Previdência pela Câmara dos Deputados.
Segundo fonte ouvida pela Reuters, a equipe econômica enviará nesta quarta-feira dois projetos para Bolsonaro bater o martelo sobre o tema. Um deles contempla a liberação de contas ativas e inativas do FGTS, com saques escalonados na data de aniversário dos trabalhadores.
O outro projeto envolve apenas as contas inativas, ligadas a vínculos empregatícios já encerrados.
No primeiro caso, as estimativas da equipe econômica apontavam uma liberação mais próxima de 30 bilhões de reais com os saques, em contraposição ao patamar de 42 bilhões de reais apontado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, em entrevista ao jornal Valor Econômico desta quarta-feira.
A cifra mais modesta deve-se, de acordo com a fonte, a cálculos que foram atualizados para não colocar em risco o funding da habitação. O FGTS responde por quase metade dos recursos direcionados para a compra de moradia via crédito imobiliário.
Uma segunda fonte com conhecimento do assunto disse à Reuters que a operacionalização dos saques ainda não tinha sido formalmente discutida pelo governo.
Oficialmente, o Ministério da Economia se limitou a dizer que, por enquanto, “não há previsão de anúncio oficial de medidas” sobre o assunto.
Em 2017, o governo do ex-presidente Michel Temer abriu uma janela para que as contas do FGTS fossem liberadas, mas apenas as inativas. Com isso, foram sacados 44 bilhões de reais, numa investida considerada fundamental para aquecer a economia naquele ano.
Em nota desta quarta-feira, o vice-presidente de Habitação Popular do SinduCon-SP, Ronaldo Cury, afirmou que a liberação de depósitos do FGTS para fomentar o consumo poderá colocar em risco a sustentabilidade do fundo no longo prazo.
De acordo com a entidade, o fluxo de caixa do FGTS previsto para 2019 indica uma disponibilidade de 112,145 bilhões de reais e saldo em dezembro de 94,004 bilhões de reais, dos quais 31,634 bilhões referentes à reserva legal para cobertura de saques.
“Já aumentou o volume de saques diminuindo sistematicamente assim o valor do saldo total. O alerta foi dado, e provavelmente devemos encarar uma sucessão de revisões para baixo dos orçamentos futuros como forma de honrar compromissos assumidos e manter o FGTS”, disse Cury.
terça-feira, 16 de julho de 2019
Bolsonaro não recorre e processo que considerou esfaqueador inimputável é encerrado
Bolsonaro não recorre e processo que considerou esfaqueador inimputável é encerrado
Por Eduardo Simões
SÃO PAULO (Reuters) - O processo que considerou Adélio Bispo de Oliveira, autor de uma facada contra o presidente Jair Bolsonaro quando ele era candidato no ano passado, foi encerrado depois que nem o Ministério Público nem Bolsonaro, que chegou a manifestar inconformismo com a decisão, recorreram, informou a Justiça Federal de Minas Gerais.
“A sentença foi proferida em 14 de junho de 2019. O Ministério Público Federal foi intimado em 17 de junho de 2019 e não apresentou recurso. O excelentíssimo senhor presidente da República, que atuou na ação penal como assistente da acusação, foi intimado em 28 de junho de 2019 e também não recorreu no prazo legal. Por último, a defesa de Adélio Bispo de Oliveira, intimada da sentença, renunciou ao prazo recursal em 12 de julho de 2019”, disse a Justiça em nota.
“Assim, a sentença transitou em julgado em 12 de julho de 2019, não sendo mais cabível a interposição de qualquer recurso”, acrescenta o comunicado.
No mês passado, o juiz Bruno Savino, da 3ª Vara Federal de Juiz de Fora (MG) absolveu Adélio ao considerá-lo inimputável por ser portador de uma doença mental, ao mesmo tempo que determinou que ele fosse internado por tempo indeterminado.
Bolsonaro manifestou contrariedade com a decisão, disse estar certo de que o atentado teve um mandante e afirmou que pretendia recorrer da decisão.
“Tentaram me assassinar, sim. Eu tenho a convicção de quem foi, mas não posso falar, não vou fazer pré-julgamento de ninguém”, disse o presidente a jornalistas na ocasião.
“Pretendo fazer (recorrer). Vou ver quanto custa, se der para pagar... Agora, eu não tenho dúvida que acertaram com o Adélio a tentativa de me matar.”
O então candidato foi esfaqueado em setembro do ano passado quando fazia campanha em Juiz de Fora. Após o ataque ele teve de passar por uma cirurgia de emergência, quando foi instalada uma bolsa de colostomia. Posteriormente, transferido para o hospital Albert Einstein, passou por mais uma operação antes de receber alta.
O presidente passou por uma terceira cirurgia no início deste ano para a retirada da bolsa de colostomia.
Por Eduardo Simões
SÃO PAULO (Reuters) - O processo que considerou Adélio Bispo de Oliveira, autor de uma facada contra o presidente Jair Bolsonaro quando ele era candidato no ano passado, foi encerrado depois que nem o Ministério Público nem Bolsonaro, que chegou a manifestar inconformismo com a decisão, recorreram, informou a Justiça Federal de Minas Gerais.
“A sentença foi proferida em 14 de junho de 2019. O Ministério Público Federal foi intimado em 17 de junho de 2019 e não apresentou recurso. O excelentíssimo senhor presidente da República, que atuou na ação penal como assistente da acusação, foi intimado em 28 de junho de 2019 e também não recorreu no prazo legal. Por último, a defesa de Adélio Bispo de Oliveira, intimada da sentença, renunciou ao prazo recursal em 12 de julho de 2019”, disse a Justiça em nota.
“Assim, a sentença transitou em julgado em 12 de julho de 2019, não sendo mais cabível a interposição de qualquer recurso”, acrescenta o comunicado.
No mês passado, o juiz Bruno Savino, da 3ª Vara Federal de Juiz de Fora (MG) absolveu Adélio ao considerá-lo inimputável por ser portador de uma doença mental, ao mesmo tempo que determinou que ele fosse internado por tempo indeterminado.
Bolsonaro manifestou contrariedade com a decisão, disse estar certo de que o atentado teve um mandante e afirmou que pretendia recorrer da decisão.
“Tentaram me assassinar, sim. Eu tenho a convicção de quem foi, mas não posso falar, não vou fazer pré-julgamento de ninguém”, disse o presidente a jornalistas na ocasião.
“Pretendo fazer (recorrer). Vou ver quanto custa, se der para pagar... Agora, eu não tenho dúvida que acertaram com o Adélio a tentativa de me matar.”
O então candidato foi esfaqueado em setembro do ano passado quando fazia campanha em Juiz de Fora. Após o ataque ele teve de passar por uma cirurgia de emergência, quando foi instalada uma bolsa de colostomia. Posteriormente, transferido para o hospital Albert Einstein, passou por mais uma operação antes de receber alta.
O presidente passou por uma terceira cirurgia no início deste ano para a retirada da bolsa de colostomia.
ANÚNCIOS DA ÉPOCA DA ESCRAVIDÃO MOSTRAM POR QUE O BRASIL PRECISA ACERTAR AS CONTAS COM O PASSADO
ANÚNCIOS DA ÉPOCA DA ESCRAVIDÃO MOSTRAM POR QUE O BRASIL PRECISA ACERTAR AS CONTAS COM O PASSADO
Alexandre Andrada
16 de Julho de 2019
AS ELITES BRASILEIRAS parecem ter um hábito secular de pôr uma pedra sobre o nosso passado. Apesar de sermos o país com a maior população negra fora da África, quase não há museus sobre o tema e mal estudamos o assunto nas escolas. O desconhecimento do brasileiro médio em relação aos horrores e às consequências da escravidão é enorme. O esquecimento não é um acaso, é um projeto.
O Brasil é o país mais importante na história da diáspora africana. Foram mais de 4 milhões de escravizados que desembarcaram em nossos portos, principalmente nos do Rio de Janeiro, Salvador e Recife, entre 1530 e 1850.
Na primeira metade do século 19, mais de 2 milhões de africanos aportaram no Brasil. Era uma multidão de gente. No censo de 1872, o primeiro de nossa história, o país tinha 10 milhões de habitantes e mais da metade (58%) da população era formada por pretos e pardos, incluindo livres, libertos e escravizados.
Os escravizados, nascidos no Brasil e na África, foram a mão de obra utilizada na criação da riqueza derivada do açúcar, do algodão, do ouro, do diamante e do café, principais produtos de exportação do país. Mas eles eram também empregados domésticos, amas de leite, sapateiros, barbeiros, vendedores de rua, pedreiros, pescadores, alfaiates, ferreiros. As ruas e as casas brasileiras do século 19 transbordavam escravidão.
Em 1872, apenas 0,08% dos escravizados eram alfabetizados. Isso, por si, só explica a ausência de relatos em primeira pessoa sobre esse drama. Por sorte, existe uma única autobiografia conhecida de um africano que passou pela experiência do navio negreiro e foi escravizado no Brasil. Ele se chamava Mahommah Baquaqua.
Nascido por volta de 1820, Baquaqua era filho de um comerciante muçulmano e frequentou uma escola religiosa localizada no atual estado de Benin. Sequestrado na África, foi trazido como escravo para o Brasil em 1845. O tráfico de escravizados já era proibido no Brasil desde 1830, graças a um acordo com a Inglaterra, e desde de 1831, por força de uma lei de iniciativa nacional. Se valessem essas leis, Baquaqua deveria ser declarado livre assim que pisasse o solo brasileiro; e seu traficante, preso. Mas esse era o mundo imaginário das leis, não o dos fatos.
Em sua autobiografia, publicada originalmente em 1854 nos Estados Unidos, Baquaqua relata o drama comum aos mais de 4 milhões de africanos escravizados que aqui desembarcaram.
Capa-do-livro-de-Baquaqua-1562012079 Imagem da edição do livro de Mahommah G. Baquaqua. Foto: Bruno Veras (Public domain)
O relato dos horrores vividos no navio negreiro é pujante. Baquaqua conta que ele e seus companheiros de infortúnio foram empurrados “para o porão do navio em estado de nudez”, com “os homens amontoados de um lado e as mulheres do outro”. Como “o porão era tão baixo”, eles eram obrigados a “se agachar” ou ficar sentados no chão.
A escravidão implica na desumanização completa do indivíduo. Perder o direito à religião e ao nome escolhido por seus antepassados é parte desse processo.
Uma viagem de navio de Angola até o Recife demorava em torno de 30 dias. Amontoados e acorrentados em posição desconfortável, o porão acumulava resquícios de urina, fezes, vômitos sob um forte calor. Relatos dão conta que as pessoas nas cidades primeiro sentiam o mal cheiro desses navios antes mesmo de os verem no horizonte. “A repugnância e a sujeira daquele lugar horrível nunca será apagada da minha memória”, escreveu Baquaqua.
As terríveis condições de higiene e alimentares faziam com que a taxa de mortalidade nas viagens superasse os 10% dos embarcados. Os que morriam pelo caminho tinham seus corpos atirados ao mar, o que torna o Atlântico um gigantesco cemitério de africanos.
Baquaqua conta que “a única comida” que eles tiveram durante a viagem era um “milho encharcado e cozido”. A água também era racionada: “um pint (equivalente a 400 ml) por dia era tudo o que era permitido e nada mais”.
“Houve um pobre rapaz que ficou tão desesperado por falta de água, que tentou arrancar uma faca do homem branco que trouxe a água, quando foi levado para o convés e eu nunca soube o que aconteceu com ele. Eu suponho que ele foi jogado ao mar.
A violência era crucial para manter a “ordem”. Baquaqua conta que, “quando qualquer um de nós se tornava desobediente, sua carne era cortada com uma faca”, então, “pimenta ou vinagre” eram esfregados na ferida.
Os grandes traficantes de escravos eram brasileiros e portugueses aqui residentes. Eram ricos comerciantes, cuja fortuna superava a dos produtores de açúcar e algodão. Eles eram os ricaços do Rio, Salvador, Recife etc. No Recife, na década de 1820, o maior traficante era o comerciante português Elias Coelho Cintra, que tinha o costume marcar seus escravos com a letra “E” com ferro em brasa no peito, feito gado.
Anúncio do furto de três africanos recém-chegados (“negros novos”) de Angola, que tinham “no peito esquerdo a marca E”, de Elias Coelho Cintra. Anúncio do furto de três africanos recém-chegados (“negros novos”) de Angola, que tinham “no peito esquerdo a marca E”, de Elias Coelho Cintra. Fonte: Diário de Pernambuco, 1829
Anúncio reporta a chegada do paquete Pernambuco, vindo de Angola, numa viagem que durou 26 dias. Embarcaram 257 cativos, sendo que 26 morreram, que se destinavam a Elias Coelho. Anúncio reporta a chegada do paquete Pernambuco, vindo de Angola, numa viagem que durou 26 dias. Embarcaram 257 cativos que se destinavam a Elias Coelho. Vinte e seis morreram na travessia. Fonte: Diário de Pernambuco, 1830
Hoje, um dos bairros ainda hoje mais miseráveis e violentos do centro do Recife é o dos “Coelhos”, nome derivado do fato daquela região ser de propriedade da família do maior traficante de escravos da cidade. Sempre que passo por aquela área, fico pensando que parte dos seus habitantes que sobrevivem em condições desumanas, muitos dos quais em palafitas à beira do rio Capibaribe, pode ser formada por descendentes dos escravizados marcados a ferro quente por Elias.
Ao chegarem no Brasil, esses africanos eram postos em quarentena em portos ou mesmo no interior dos navios. Sobrevivendo a essa fase, os escravizados eram obrigatoriamente batizados na fé católica e recebiam nomes à portuguesa. Viravam todos Josés, Franciscos, Marias, Catarinas – Baquaqua não diz qual era seu nome que teve em seus tempos de Brasil. A escravidão implica na desumanização completa do indivíduo. Perder o direito à religião e ao nome escolhido por seus antepassados é parte desse processo.
A viajante estrangeira Maria Graham, que esteve no país na década de 1820, retrata o horror da visão de uma dessas localidades.
“Mal tínhamos percorrido cinquenta passos no Recife, quando ficamos absolutamente enojados com a primeira vista de um mercado de escravos. Era a primeira vez que (…) estávamos em um país de escravos; e, por mais fortes e pungentes que sejam os sentimentos em casa, quando a imaginação retrata a escravidão, eles não são nada comparados à visão desconcertante de um mercado de escravos. (…) Cerca de cinquenta jovens criaturas, meninos e meninas, com toda a aparência de doença e fome, resultante da escassez de comida e longo confinamento em lugares insalubres, estavam sentados e deitados entre os animais mais sujos das ruas ”.
Ao chegar aqui, sendo ainda “boçal” (termo utilizado para descrever os cativos que não dominavam o português), Baquaqua foi colocado para realizar trabalhos puramente físicos. Seu primeiro ofício foi carregar pedras para a construção de uma casa para o seu proprietário.
Depois de ganhar algum domínio da língua, Baquaqua foi para a rua vender pão. Muitos dos escravizados no Brasil do século 19 eram os chamados “pretos de ganho”, isto é, cativos que trabalhavam na rua vendendo alguma mercadoria ou realizando algum serviço, para garantir uma renda diária ao seu proprietário.
Fotografia do acervo do Instituto Moreira Salles mostra vendedoras de rua no Rio na década de 1870.
Fotografia do acervo do Instituto Moreira Salles mostra vendedoras de rua no Rio na década de 1870. Foto: Acervo/Instituto Moreira Salles
A escravidão não era exclusividade da agricultura para exportação e o escravizado não era “mercadoria” acessível apenas aos ricaços. O Brasil era uma sociedade escravista no sentido mais preciso do termo. Os anúncios de compra, venda, aluguel e fuga de escravos eram a matéria mais ordinária nas páginas dos jornais brasileiros neste período.
Um viajante escocês que passou pelo Recife em 1820 relata sua visão:
“Acho que nenhuma impressão fica mais profundamente impressa em minha mente do que a visão melancólica de centenas… de milhares de escravos negros que vi na cidade… Você não pode se mover em nenhuma direção, sem que a escravidão, com todas as suas misérias multiplicadas, prenda sua atenção. Se você anda pelas ruas, você encontra os escravos, a cada hora do dia, em centenas, gemendo e suando sob seus fardos, e gastando suas vidas miseráveis no desempenho daqueles trabalhos pesados que são feitos por cavalos na Escócia e na Inglaterra”.
Sendo vendedor de rua, Baquaqua conta que tentou ser obediente ao seu proprietário para evitar castigos e ter uma existência um pouco menos miserável. Mas mesmo sendo obediente, era agredido e humilhado. E como tantos outros escravizados, na busca de uma fuga da dureza do cotidiano, abusou do álcool. Além da bebida, Baquaqua imita o comportamento de outros milhares de escravizados: foge. Porém, também como era a regra, acaba recapturado.
Homens, mulheres, jovens e crianças viviam tentando fugir. Era uma luta desigual. Alguns, com sorte, podiam se aquilombar em Catucá, o mais famoso quilombo existente no Recife na primeira metade do século 19, que tanto amedrontava o “cidadão de bem” da cidade.
Trecho de uma carta escrita por um desembargador reclamando do “Quilombo dos negros dos palmares do Catucá”. Trecho de uma carta escrita por um desembargador reclamando do “Quilombo dos negros dos palmares do Catucá”. Fonte: Diário de Pernambuco, 1829
Mesmo “com ferro no pescoço” e com “uma ferida na canela direita”, Sebastião do Rosário tentou fugir da sua condição de escravo. Os anúncios de escravos fugidos eram parte obrigatório dos jornais brasileiros do período. Mesmo “com ferro no pescoço” e com “uma ferida na canela direita”, Sebastião do Rosário tentou fugir da sua condição de escravo. Os anúncios de escravizados que fugiam eram parte obrigatória dos jornais brasileiros do período. Fonte: Diário de Pernambuco, 1829.
Anúncio da fuga de uma criança de nove anos com “marcas pela cara” provocadas pelo uso “de uma máscara de flandres”. Anúncio da fuga de uma criança de nove anos com “marcas pela cara” provocadas pelo uso “de uma máscara de flandres”. Fonte: Diário de Pernambuco
Gravura mostrando um escravizado com ferros no pescoço e máscara de flandres. Gravura mostrando um escravizado com ferros no pescoço e máscara de flandres. Ilustração: Jacques Arago/Museu Afro Brasil (São Paulo)
Baquaqua conta que, após uma recaptura, saiu para vender pão, mas usou o dinheiro arrecadado para comprar bebida. Voltando a casa do senhor embriagado e sem dinheiro. Foi violentamente espancado. Revoltado e humilhado, Baquaqua tenta o suicídio:
“Eu preferiria morrer a viver para ser um escravo. Eu então corri para o rio e me joguei, mas sendo visto por algumas pessoas que estavam em um barco, fui resgatado do afogamento.”
Depois disso, ele é posto à venda.
Anúncio publicado no Diário de Pernambuco em 1830, em que anuncia: “vende-se por [ser] fujão”. O termo “ladino” significava que, apesar de o escravo ser africano, ele já dominava o idioma e os costumes locais. Anúncio publicado no Diário de Pernambuco em 1830, em que anuncia: “vende-se por [ser] fujão”. O termo “ladino” significava que, apesar de o escravo ser africano, ele já dominava o idioma e os costumes locais. Fonte: Diário de Pernambuco
Baquaqua é vendido “para fora da província”. Essa era uma outra forma comum de punição e de controle dos escravizados: os que se comportavam mal eram vendidos sob a condição de serem levados para localidades distantes. Toda a sociabilidade construída pelo escravizado naquela cidade era, de repente, desfeita, em uma repetição das agruras do navio negreiro.
Anúncio de venda de escravo no Diário de Pernambuco. Anúncio de venda de escravo no Diário de Pernambuco. Fonte: Diário de Pernambuco
Seu destino foi o Rio de Janeiro, a capital do Império e maior cidade do país. Passou então a trabalhar a bordo de um navio. Após algumas viagens – ele narra passagens por Santa Catarina e Rio Grande do Sul –, a embarcação teria como destino Nova York.
Em 1847, em solo estadunidense, Baquaqua conseguiu finalmente fugir da condição de escravizado e se tornou, mais uma vez, um homem livre. Seus companheiros no Brasil, porém, teriam que esperar até 1888 para terem a mesma sorte.
Livres, mas sem nenhuma indenização por séculos de trabalho forçado, sem acesso à terra, à educação, marcados pelo preconceito e vítimas do racismo “científico” que ganha força no final do século 19 e começo do século 20. Enquanto os imigrantes italianos que aqui aportavam aos milhares a partir de 1890 tinham passagem subsidiada, salário, terra e liberdade para trocar de emprego depois de cinco anos, os pretos e pardos não tinham nada.
Nos EUA, neste exato momento, está em debate no Congresso a questão da reparação dos descendentes de escravizados. No Brasil, diz-se ainda que cotas são “racismo reverso”. O esquecimento da escravidão é um projeto muito bem elaborado pela elite.
Dependemos do apoio de leitores como você para continuar fazendo jornalismo independente e investigativo. Junte-se a nós
https://theintercept.com/2019/07/15/baquaqua-escravidao-brasil-elite/
theintercept.com.br
Alexandre Andrada
16 de Julho de 2019
AS ELITES BRASILEIRAS parecem ter um hábito secular de pôr uma pedra sobre o nosso passado. Apesar de sermos o país com a maior população negra fora da África, quase não há museus sobre o tema e mal estudamos o assunto nas escolas. O desconhecimento do brasileiro médio em relação aos horrores e às consequências da escravidão é enorme. O esquecimento não é um acaso, é um projeto.
O Brasil é o país mais importante na história da diáspora africana. Foram mais de 4 milhões de escravizados que desembarcaram em nossos portos, principalmente nos do Rio de Janeiro, Salvador e Recife, entre 1530 e 1850.
Na primeira metade do século 19, mais de 2 milhões de africanos aportaram no Brasil. Era uma multidão de gente. No censo de 1872, o primeiro de nossa história, o país tinha 10 milhões de habitantes e mais da metade (58%) da população era formada por pretos e pardos, incluindo livres, libertos e escravizados.
Os escravizados, nascidos no Brasil e na África, foram a mão de obra utilizada na criação da riqueza derivada do açúcar, do algodão, do ouro, do diamante e do café, principais produtos de exportação do país. Mas eles eram também empregados domésticos, amas de leite, sapateiros, barbeiros, vendedores de rua, pedreiros, pescadores, alfaiates, ferreiros. As ruas e as casas brasileiras do século 19 transbordavam escravidão.
Em 1872, apenas 0,08% dos escravizados eram alfabetizados. Isso, por si, só explica a ausência de relatos em primeira pessoa sobre esse drama. Por sorte, existe uma única autobiografia conhecida de um africano que passou pela experiência do navio negreiro e foi escravizado no Brasil. Ele se chamava Mahommah Baquaqua.
Nascido por volta de 1820, Baquaqua era filho de um comerciante muçulmano e frequentou uma escola religiosa localizada no atual estado de Benin. Sequestrado na África, foi trazido como escravo para o Brasil em 1845. O tráfico de escravizados já era proibido no Brasil desde 1830, graças a um acordo com a Inglaterra, e desde de 1831, por força de uma lei de iniciativa nacional. Se valessem essas leis, Baquaqua deveria ser declarado livre assim que pisasse o solo brasileiro; e seu traficante, preso. Mas esse era o mundo imaginário das leis, não o dos fatos.
Em sua autobiografia, publicada originalmente em 1854 nos Estados Unidos, Baquaqua relata o drama comum aos mais de 4 milhões de africanos escravizados que aqui desembarcaram.
Capa-do-livro-de-Baquaqua-1562012079 Imagem da edição do livro de Mahommah G. Baquaqua. Foto: Bruno Veras (Public domain)
O relato dos horrores vividos no navio negreiro é pujante. Baquaqua conta que ele e seus companheiros de infortúnio foram empurrados “para o porão do navio em estado de nudez”, com “os homens amontoados de um lado e as mulheres do outro”. Como “o porão era tão baixo”, eles eram obrigados a “se agachar” ou ficar sentados no chão.
A escravidão implica na desumanização completa do indivíduo. Perder o direito à religião e ao nome escolhido por seus antepassados é parte desse processo.
Uma viagem de navio de Angola até o Recife demorava em torno de 30 dias. Amontoados e acorrentados em posição desconfortável, o porão acumulava resquícios de urina, fezes, vômitos sob um forte calor. Relatos dão conta que as pessoas nas cidades primeiro sentiam o mal cheiro desses navios antes mesmo de os verem no horizonte. “A repugnância e a sujeira daquele lugar horrível nunca será apagada da minha memória”, escreveu Baquaqua.
As terríveis condições de higiene e alimentares faziam com que a taxa de mortalidade nas viagens superasse os 10% dos embarcados. Os que morriam pelo caminho tinham seus corpos atirados ao mar, o que torna o Atlântico um gigantesco cemitério de africanos.
Baquaqua conta que “a única comida” que eles tiveram durante a viagem era um “milho encharcado e cozido”. A água também era racionada: “um pint (equivalente a 400 ml) por dia era tudo o que era permitido e nada mais”.
“Houve um pobre rapaz que ficou tão desesperado por falta de água, que tentou arrancar uma faca do homem branco que trouxe a água, quando foi levado para o convés e eu nunca soube o que aconteceu com ele. Eu suponho que ele foi jogado ao mar.
A violência era crucial para manter a “ordem”. Baquaqua conta que, “quando qualquer um de nós se tornava desobediente, sua carne era cortada com uma faca”, então, “pimenta ou vinagre” eram esfregados na ferida.
Os grandes traficantes de escravos eram brasileiros e portugueses aqui residentes. Eram ricos comerciantes, cuja fortuna superava a dos produtores de açúcar e algodão. Eles eram os ricaços do Rio, Salvador, Recife etc. No Recife, na década de 1820, o maior traficante era o comerciante português Elias Coelho Cintra, que tinha o costume marcar seus escravos com a letra “E” com ferro em brasa no peito, feito gado.
Anúncio do furto de três africanos recém-chegados (“negros novos”) de Angola, que tinham “no peito esquerdo a marca E”, de Elias Coelho Cintra. Anúncio do furto de três africanos recém-chegados (“negros novos”) de Angola, que tinham “no peito esquerdo a marca E”, de Elias Coelho Cintra. Fonte: Diário de Pernambuco, 1829
Anúncio reporta a chegada do paquete Pernambuco, vindo de Angola, numa viagem que durou 26 dias. Embarcaram 257 cativos, sendo que 26 morreram, que se destinavam a Elias Coelho. Anúncio reporta a chegada do paquete Pernambuco, vindo de Angola, numa viagem que durou 26 dias. Embarcaram 257 cativos que se destinavam a Elias Coelho. Vinte e seis morreram na travessia. Fonte: Diário de Pernambuco, 1830
Hoje, um dos bairros ainda hoje mais miseráveis e violentos do centro do Recife é o dos “Coelhos”, nome derivado do fato daquela região ser de propriedade da família do maior traficante de escravos da cidade. Sempre que passo por aquela área, fico pensando que parte dos seus habitantes que sobrevivem em condições desumanas, muitos dos quais em palafitas à beira do rio Capibaribe, pode ser formada por descendentes dos escravizados marcados a ferro quente por Elias.
Ao chegarem no Brasil, esses africanos eram postos em quarentena em portos ou mesmo no interior dos navios. Sobrevivendo a essa fase, os escravizados eram obrigatoriamente batizados na fé católica e recebiam nomes à portuguesa. Viravam todos Josés, Franciscos, Marias, Catarinas – Baquaqua não diz qual era seu nome que teve em seus tempos de Brasil. A escravidão implica na desumanização completa do indivíduo. Perder o direito à religião e ao nome escolhido por seus antepassados é parte desse processo.
A viajante estrangeira Maria Graham, que esteve no país na década de 1820, retrata o horror da visão de uma dessas localidades.
“Mal tínhamos percorrido cinquenta passos no Recife, quando ficamos absolutamente enojados com a primeira vista de um mercado de escravos. Era a primeira vez que (…) estávamos em um país de escravos; e, por mais fortes e pungentes que sejam os sentimentos em casa, quando a imaginação retrata a escravidão, eles não são nada comparados à visão desconcertante de um mercado de escravos. (…) Cerca de cinquenta jovens criaturas, meninos e meninas, com toda a aparência de doença e fome, resultante da escassez de comida e longo confinamento em lugares insalubres, estavam sentados e deitados entre os animais mais sujos das ruas ”.
Ao chegar aqui, sendo ainda “boçal” (termo utilizado para descrever os cativos que não dominavam o português), Baquaqua foi colocado para realizar trabalhos puramente físicos. Seu primeiro ofício foi carregar pedras para a construção de uma casa para o seu proprietário.
Depois de ganhar algum domínio da língua, Baquaqua foi para a rua vender pão. Muitos dos escravizados no Brasil do século 19 eram os chamados “pretos de ganho”, isto é, cativos que trabalhavam na rua vendendo alguma mercadoria ou realizando algum serviço, para garantir uma renda diária ao seu proprietário.
Fotografia do acervo do Instituto Moreira Salles mostra vendedoras de rua no Rio na década de 1870.
Fotografia do acervo do Instituto Moreira Salles mostra vendedoras de rua no Rio na década de 1870. Foto: Acervo/Instituto Moreira Salles
A escravidão não era exclusividade da agricultura para exportação e o escravizado não era “mercadoria” acessível apenas aos ricaços. O Brasil era uma sociedade escravista no sentido mais preciso do termo. Os anúncios de compra, venda, aluguel e fuga de escravos eram a matéria mais ordinária nas páginas dos jornais brasileiros neste período.
Um viajante escocês que passou pelo Recife em 1820 relata sua visão:
“Acho que nenhuma impressão fica mais profundamente impressa em minha mente do que a visão melancólica de centenas… de milhares de escravos negros que vi na cidade… Você não pode se mover em nenhuma direção, sem que a escravidão, com todas as suas misérias multiplicadas, prenda sua atenção. Se você anda pelas ruas, você encontra os escravos, a cada hora do dia, em centenas, gemendo e suando sob seus fardos, e gastando suas vidas miseráveis no desempenho daqueles trabalhos pesados que são feitos por cavalos na Escócia e na Inglaterra”.
Sendo vendedor de rua, Baquaqua conta que tentou ser obediente ao seu proprietário para evitar castigos e ter uma existência um pouco menos miserável. Mas mesmo sendo obediente, era agredido e humilhado. E como tantos outros escravizados, na busca de uma fuga da dureza do cotidiano, abusou do álcool. Além da bebida, Baquaqua imita o comportamento de outros milhares de escravizados: foge. Porém, também como era a regra, acaba recapturado.
Homens, mulheres, jovens e crianças viviam tentando fugir. Era uma luta desigual. Alguns, com sorte, podiam se aquilombar em Catucá, o mais famoso quilombo existente no Recife na primeira metade do século 19, que tanto amedrontava o “cidadão de bem” da cidade.
Trecho de uma carta escrita por um desembargador reclamando do “Quilombo dos negros dos palmares do Catucá”. Trecho de uma carta escrita por um desembargador reclamando do “Quilombo dos negros dos palmares do Catucá”. Fonte: Diário de Pernambuco, 1829
Mesmo “com ferro no pescoço” e com “uma ferida na canela direita”, Sebastião do Rosário tentou fugir da sua condição de escravo. Os anúncios de escravos fugidos eram parte obrigatório dos jornais brasileiros do período. Mesmo “com ferro no pescoço” e com “uma ferida na canela direita”, Sebastião do Rosário tentou fugir da sua condição de escravo. Os anúncios de escravizados que fugiam eram parte obrigatória dos jornais brasileiros do período. Fonte: Diário de Pernambuco, 1829.
Anúncio da fuga de uma criança de nove anos com “marcas pela cara” provocadas pelo uso “de uma máscara de flandres”. Anúncio da fuga de uma criança de nove anos com “marcas pela cara” provocadas pelo uso “de uma máscara de flandres”. Fonte: Diário de Pernambuco
Gravura mostrando um escravizado com ferros no pescoço e máscara de flandres. Gravura mostrando um escravizado com ferros no pescoço e máscara de flandres. Ilustração: Jacques Arago/Museu Afro Brasil (São Paulo)
Baquaqua conta que, após uma recaptura, saiu para vender pão, mas usou o dinheiro arrecadado para comprar bebida. Voltando a casa do senhor embriagado e sem dinheiro. Foi violentamente espancado. Revoltado e humilhado, Baquaqua tenta o suicídio:
“Eu preferiria morrer a viver para ser um escravo. Eu então corri para o rio e me joguei, mas sendo visto por algumas pessoas que estavam em um barco, fui resgatado do afogamento.”
Depois disso, ele é posto à venda.
Anúncio publicado no Diário de Pernambuco em 1830, em que anuncia: “vende-se por [ser] fujão”. O termo “ladino” significava que, apesar de o escravo ser africano, ele já dominava o idioma e os costumes locais. Anúncio publicado no Diário de Pernambuco em 1830, em que anuncia: “vende-se por [ser] fujão”. O termo “ladino” significava que, apesar de o escravo ser africano, ele já dominava o idioma e os costumes locais. Fonte: Diário de Pernambuco
Baquaqua é vendido “para fora da província”. Essa era uma outra forma comum de punição e de controle dos escravizados: os que se comportavam mal eram vendidos sob a condição de serem levados para localidades distantes. Toda a sociabilidade construída pelo escravizado naquela cidade era, de repente, desfeita, em uma repetição das agruras do navio negreiro.
Anúncio de venda de escravo no Diário de Pernambuco. Anúncio de venda de escravo no Diário de Pernambuco. Fonte: Diário de Pernambuco
Seu destino foi o Rio de Janeiro, a capital do Império e maior cidade do país. Passou então a trabalhar a bordo de um navio. Após algumas viagens – ele narra passagens por Santa Catarina e Rio Grande do Sul –, a embarcação teria como destino Nova York.
Em 1847, em solo estadunidense, Baquaqua conseguiu finalmente fugir da condição de escravizado e se tornou, mais uma vez, um homem livre. Seus companheiros no Brasil, porém, teriam que esperar até 1888 para terem a mesma sorte.
Livres, mas sem nenhuma indenização por séculos de trabalho forçado, sem acesso à terra, à educação, marcados pelo preconceito e vítimas do racismo “científico” que ganha força no final do século 19 e começo do século 20. Enquanto os imigrantes italianos que aqui aportavam aos milhares a partir de 1890 tinham passagem subsidiada, salário, terra e liberdade para trocar de emprego depois de cinco anos, os pretos e pardos não tinham nada.
Nos EUA, neste exato momento, está em debate no Congresso a questão da reparação dos descendentes de escravizados. No Brasil, diz-se ainda que cotas são “racismo reverso”. O esquecimento da escravidão é um projeto muito bem elaborado pela elite.
Dependemos do apoio de leitores como você para continuar fazendo jornalismo independente e investigativo. Junte-se a nós
https://theintercept.com/2019/07/15/baquaqua-escravidao-brasil-elite/
theintercept.com.br